sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Dresden e o trauma nazista da Alemanha

A cidade de Dresden, ao leste da Alemanha, foi reduzida a ruínas em 13 de fevereiro de 1945, já nos momentos finais da Segunda Guerra Mundial e da Alemanha hitlerista. Desde o ano seguinte, os sinos das igrejas da cidade soam em memória do ocorrido, que matou cerca de 20 mil pessoas. Mas a exemplo do que acontece com o Dia da Honra de Budapeste, relatado no post anterior, grupos de extrema-direita e neonazistas se aproveitam da data e aproveitam para fazer manifestações políticas e negar a culpa alemã pelo Holocausto.

O evento, chamado de "Marcha do Luto", começou em 1998 e chegou a reunir cerca de 6.500 simpatizantes nos últimos anos. Mas, ao contrário do que acontece na capital húngara, a população de Dresden tem se posicionado contra a manifestação. Na edição de 2011, por exemplo, 15 mil pessoas pertencentes à aliança "Dresden sem nazistas" formaram uma corrente humana para barrar o ato. 

A questão, na verdade, é mais complexa do que parece. De um lado, os simpatizantes da "Marcha do Luto" invocam o princípio da liberdade de expressão como argumento para permitir a manifestação – considerada legal pelo governo da Saxônia, região da qual Dresden é a capital. Do outro, o trauma que o nazismo causou e o receio de qual tal fantasma volte a assombrar a Alemanha impulsionam os contrários ao ato.

Em todo o país discute-se a proibição do NPD, partido de extrema direita e considerado simpatizante do neonazismo. Mas a legenda conserva apoio considerável, em especial na antiga Alemanha Oriental (onde fica Dresden), onde tem representantes em duas assembleias legislativas estaduais.

A atual crise europeia pode ser decisiva no aumento ou não do apoio à extrema direita. Apesar de a Alemanha ter se mantido a salvo até agora e de até mesmo ditar a política econômica do continente, o medo de que uma onda de imigrantes vindos de outras partes da UE possa "roubar os empregos" ou "se aproveitar da prosperidade alemã" deve ser visto como um argumento possível para a extrema direita – e aceitável para os mais xenófobos. Apesar da maior integração dos imigrantes na sociedade e do momento  defensivo que grupos neonazistas vivem, todo o cuidado com essa ideologia ou de alguma que derive dela é pouco.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Dia da Honra, ultradireita e nazismo

O tempo na Europa é de crise, terreno fértil para disseminação de idéias conservadoras. Com um discurso de apelo à segurança e à defesa dos ideais nacionais, grupos de direita e extrema-direita ganham importante espaço no cenário político, seja a leste ou oeste do continente. E esse contexto ajuda a trazer ainda mais dimensão a certas manifestações dessas entidades.



Um bom exemplo é o chamado "Dia da Honra" (Becsület Napja, em húngaro), celebrado todo dia 11 de fevereiro em Budapeste, Hungria – que já teve sua guinada à direita abordada neste blog. A data lembra a queda da cidade frente ao sítio imposto pelo Exército Vermelho soviético, que durou de 29 de dezembro de 1944 a 13 de fevereiro de 1945, data oficial da rendição da capital húngara. O clipe abaixo, da banda de Black metal húngara Heldentod, traz algumas imagens dessa batalha, uma das mais sangrentas da Segunda Guerra Mundial. Os acordes lembram a música Fear of the Dark, do Iron Maiden.



Os defensores de Budapeste– e homenageados no "Dia da Honra" – são as forças locais húngaras e a SS, tropa de elite da Alemanha nazista, que tinha a Hungria como aliada. Esse componente torna o Dia da Honra um evento para toda a extrema-direita europeia, reunindo grupos da Alemanha, Eslováquia, Bulgária e Sérvia. O vídeo abaixo, da edição do ano passado, dá uma dimensão do tamanho que o "Becsület Napja" (Dia da Honra, em húngaro) alcançou por lá, além de mais imagens da Budapeste em ruínas após o cerco.



Na página oficial do "Becsület Napja", uma mudança no evento em relação a anos anteriores: a troca de paradas grandiosas por atos menores em diversas regiões da cidade e o  incentivo a atos dentro das próprias casas húngaras. Confrontado com a crise econômica no país, tal alteração é bastante oportuna para os organizadores e serve como uma vitrine a mais, ao demonstrar conscientização sobre a atualidade húngara. Este outro vídeo abaixo é de um desses pequenos atos programados para o Dia da Honra de 2012.



Além da Hungria, outros países do leste europeu sediam ou se preparam para criar atos de glorificação à extrema-direita, como Estônia, Ucrânia. Uma reportagem do jornal La Vanguardia, que pode ser lida em português no portal Opera Mundi, aponta para um flerte da Europa Oriental com o nazismo e dá uma dimensão maior sobre esses eventos.

A guinada à direita e a falta de governos com valores democráticos não são uma novidade no Leste Europeu. No período Entreguerras (1919-1939), quando a região emergiu da queda dos impérios alemão, austro-húngaro, russo e otomano, regimes fortes dominaram praticamente toda a porção oriental do continente – com exceção da então Tchecoslováquia. Na Segunda Guerra Mundial a Alemanha de Hitler contou com apoio militar de nações como Romênia, Bulgária, Hungria, Eslováquia e Croácia (estas duas últimas surgidas temporariamente como Estados fantoches do Reich nazista), além de ter usado a seu favor os ressentimentos anti-URSS alimentados por nações como Ucrânia, Polônia, Belarus e Lituânia. Após a Segunda Guerra a região ficou sob a esfera de influência soviética e com governos quase sempre simpáticos e submissos a Moscou.

Somente com a queda da URSS que regimes com princípios democráticos surgiram no Leste. No entanto, adeptos da direita e extrema-direita, aproveitando-se do sentimento anti-URSS disseminado nos antigos satélites do Kremlin e do argumento de defesa dos valores nacionais, conseguiram sobreviver no cenário político e encontraram terreno fértil para crescerem com a atual crise europeia.

Estaria o Leste voltando ao mesmo patamar da década de 1930? Cravar essa possibilidade como algo concreto pode ser leviano. Mas o crescimento da extrema-direita no cenário político de cada país e na Europa deve ser acompanhado com muito cuidado pela comunidade internacional. O atual contexto é diferente daquela época e hoje não existe – pelo menos ainda – uma figura central como a de Hitler. Mas os efeitos que a escalada de totalitarismo e ódio causou no continente e mundo afora são bem conhecidos.