quarta-feira, 20 de julho de 2011

A prisão de Hadzic e a nova Sérvia

O governo da Sérvia anuncia a captura de Goran Hadzic, ex-líder dos sérvios na Croácia, declarado foragido pelo Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (TPII) desde 2004.

Hadzic foi presidente da República Sérvia de Krajina, território da Croácia povoado por sérvios que se declarou independente depois que os croatas proclamaram sua própria independência da antiga Iugoslávia, em 1991. Entre as principais acusações contra Hadzic estão o assassinato de croatas e a deportação de 20 mil pessoas após a ocupação da cidade de Vukovar – a "Srebrenica" dos croatas.

Para o governo croata, inclusive, a prisão de Hadzic representa a justiça sendo feita, ainda que tardia, e que também é boa para as relações entre os países e para a própria Sérvia. Já na própria Sérvia, como ocorreu com Ratko Mladic, a detenção de Hadzic não foi unanimidade. Alguns políticos acusam o governo de não ter o mesmo empenho na caça de acusados de cometer crimes de guerra contra a população sérvia, conforme relatos do site Balkan Insight.

Após a captura de Mladic, em maio deste ano, Hadzic era considerado o último dos criminosos de guerra ainda foragidos. Com a detenção, o ex-líder sérvio deve ser encaminhado para Haia (Holanda), sede do tribunal que julga os crimes cometidos durante os conflitos que assolaram a antiga Iugoslávia e fará companhia a Mladic e a Radovan Karadzic, preso desde 2008.

A captura de Hadzic deve render pontos preciosos à Sérvia, já que o empenho na captura dos acusados de crimes de guerra é um dos pré-requisitos cobrados do país para o ingresso na União Europeia (UE), grande desejo do atual governo. Há ainda outros desafios a serem vencidos nesse sentido, tanto econômicos como legais e sociais. Mas não deixa de ser um ponto positivo.

Colocada em um contexto mais amplo, a prisão de Hadzic representa também mais um passo dado pela Sérvia para expurgar a fama de “ovelha negra” da Europa adquirida no passado, em especial durante a era Milosevic. Outro fator que pode ser encarado como parte dessa nova imagem da Sérvia é a elevação do tenista Novak Djokovic como herói nacional, em vez dos controversos (para dizer o mínimo) chefes militares que ainda são cultuados por parte da sociedade.

Atualizada às 12h30 de 20/07/2011

domingo, 10 de julho de 2011

Mais feridas abertas de Srebrenica

Hoje completam-se 16 anos do massacre em Srebrenica, na Bósnia. O país identificou recentemente os corpos de 613 pessoas mortas durante o episódio, que serão enterradas nesta segunda. Mas as dores não ficam restritas à região balcânica – Holanda que o diga.


O Estado holandês foi considerado responsável pela morte de três muçulmanos bósnios nas mãos do exército sérvio-bósnio comandado por Ratko Mladic em Srebrenica. Um batalhão holandês foi designado pela ONU para proteger a cidade, decretada como área de segurança pela entidade, mas falhou em impedir a limpeza étnica ocorrida em 11 de julho de 1995. Para o jornal “La Vanguardia”, essa condenação representa a primeira justiça feita para Srebrenica.

Outro aspecto dessa ferida aberta veio em entrevista do “El País” com o bósnio-muçulmano Hasan Nuhanovic, um dos que trabalharam pela condenação da Holanda pelas falhas na segurança de Srebrenica. Além de ter como trabalho manter viva a lembrança das vítimas e levar os culpados à Justiça, tem outros desafios. Um deles é de lutar também pela condenação do assassino da própria mãe, que trabalha próximo a ele. “Alguns vizinhos sérvios me contaram que viram o culpado cometendo o crime. Todo mundo o conhecia. Era o chefe de polícia sérvio do meu povoado. Hoje trabalha no mesmo edifício onde tenho meu escritório, em Sarajevo. Nos cruzamos diariamente e ninguém faz nada. Indaguei por minha conta, reconstruí os fatos e enviei os dados aos tribunais. Mas só me disseram que estão investigando. Estão assim desde 2006. “, disse Nuhanovic ao jornal espanhol.
As duas matérias mostram como, apesar de avanços obtidos para tentar cicatrizar as feridas abertas pelas guerras na década de 1990, o caminho para superar os traumas e mágoas históricas é longo e tortuoso, cheio de pedras prontas para tentar desanimar até mesmo os maiores entusiastas da paz.  

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Djokovic, novo herói nacional da Sérvia

"Eu não sei como agradecer Novak o suficiente por tudo o que ele tem feito pela Sérvia e pelo nosso povo. Eu não consigo descrever o que seu sucesso significa para nosso país. É um exemplo de como trabalho duro e disciplina são importantes para atingir metas". Foram com essas palavras que Boris Tadic, presidente da Sérvia, tentou descrever o que significam as conquistas de Novak Djokovic para o país. E o último final de semana foi categórico nesse sentido.


Também conhecido como Nole, seu apelido de infância, Djokovic se tornou o primeiro sérvio e o 25° tenista a assumir o topo do ranking mundial da ATP após se classificar para a final do Aberto de Wimbledon, um dos mais tradicionais da modalidade. A nova conquista foi coroada com outra, o título do torneio britânico, no último dia 3 de julho – partida que foi acompanhada por Tadic, o presidente sérvio.



Além de uma fase espetacular na carreira – venceu 48 dos últimos 49 jogos que disputou e ajudou a Sérvia a conquistar pela primeira vez a Copa Davis, o Mundial de seleções do tênis –, Djokovic ganha importância no país que transcende as fronteiras do esporte, colocando-o literalmente no patamar de novo herói nacional. Irreverente e lembrado pelas imitações que fazia de outros tenistas, também estrela campanhas publicitárias e pode ainda ter sua imagem estampada em cédulas de dinar (o dinheiro local). Mas um outro lado menos conhecido internacionalmente do esportista sérvio, mas de grande importância dentro da sociedade sérvia: sua ligação com o Kosovo.

A região que desde 2008 tenta ver sua declaração de independência reconhecida na comunidade internacional é a terra natal da família paterna de Djokovic, que se mudou para Belgrado em 1983, três anos antes do nascimento do tenista. Em várias entrevistas concedidas à TV sérvia, Novak fala sobre essa ligação pessoal com a antiga província e que “O Kosovo é parte da Sérvia”. No depoimento abaixo, de 2007, ele declara que o “Kosovo está em seu coração e no de todos os sérvios” e completa se dizendo esperançoso de ver um dia “a solução para esta difícil situação” (legendas em inglês):



Ainda na mesma entrevista, Djokovic dá outra declaração que coloca numa posição bem diferente dos nacionalistas tradicionais do país, ao dizer que "sérvios e croatas são o mesmo povo, mas que infelizmente foram separado por causa de desentendimentos políticos e guerras".

Se todos os heróis nacionais sérvios fossem como Djokovic, a ex-república iugoslava certamente estaria muito melhor, seja interna como externamente. Mas ascensão de “Nole” a esse patamar é uma mostra clara de como o país tenta mudar sua imagem frente à comunidade internacional, sem abandonar as convicções nacionais que dão unidade a um povo que durante toda sua história foi marcado pela divisão.

Crédito da foto: Wikimedia Commons