segunda-feira, 30 de maio de 2011

Mladic já foi, mas Kosovo ainda separa Sérvia da UE

O governo sérvio e a comunidade internacional comemoraram a prisão do ex-general sérvio-bósnio Ratko Mladic. Para Belgrado significa, claro, o fim de umas barreiras a um futuro ingresso do país na União Europeia. Mas na verdade há outra – e das grandes – a ser transposta, denominada Kosovo.


A divisão da comunidade internacional a respeito do status da antiga província sérvia é grande. Em todo o mundo, 75 países já reconheceram o novo país, incluindo a maioria dos membros da UE. Mas mesmo nos Bálcãs não existe um consenso sobre a questão kosovar, deixando a questão ainda mais espinhosa. Para ficar apenas na região, Albânia, Croácia, Montenegro e Eslovênia já deram aval ao novo país; Sérvia, Grécia, Bósnia, Romênia são contra.

O caminho da Sérvia para a UE, como pode-se perceber, ainda não está tão pavimentado como o governo tentava mostrar após a prisão de Mladic. A questão envolvendo o ex-general sérvio-bósnio ainda também está longe de ser resolvida no próprio país, onde setores nacionalistas o consideram um herói e organizam protestos desde a prisão do ex-militar. Em um deles, promovido pelo Partido Radical Sérvio e que reuniu cerca de 10 mil pessoas em Belgrado, 180 manifestantes foram detidos. Podem ser minoria dentro da sociedade sérvia, mas tais manifestações mostram que tais grupos ainda conservam voz ativa no pais.

Ao mesmo tempo, outros países dos Bálcãs também tentam garantir seu lugar no bloco europeu, como a Croácia. Há quem diga que o avanço das negociações do país vizinho para aderir à UE teria levado a Sérvia a fazer um esforço extra para se mostrar apta ao ingresso na entidade. O pedido de desculpas da RTS pelo apoio ao ex-presidente Milosevic e a própria prisão de Mladic fariam parte desse pacote pró-UE – que, pelo menos até o momento, não inclui discutir o status do Kosovo.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ratko Mladic é preso

O general sérvio-bósnio Ratko Mladic, criminoso de guerra mais procurado da Europa, é preso no vilarejo de Lazarevo, na província de Vojvodina, norte da Sérvia. O anúncio da prisão foi feito pelo presidente do país, Boris Tadic.


Considerado foragido desde 1995, o militar – que alguns pensavam já ter morrido – é apontado como um dos responsáveis pelo assassinado de mais de 8.000 bósnios muçulmanos na cidade de Srebrenica, entre outros crimes de guerra durante o conflito na Bósnia (1992- 1995). Mladic era comandante do Exército de Radovan Karadzic, ex-presidente da República Sérvia da Bósnia (a chamada República Srpska) e também apontado como responsável pelo massacre. Este último foi capturado em julho de 2008 em um bar de Belgrado.



O general será encaminhado para Haia (Holanda), sede do Tribunal Penal Internacional (TPI), onde responderá pelos crimes. Em 2010, uma recompensa de 10 milhões de euros chegou a ser oferecida para quem fornecesse pistas do seu paradeiro. O destino dessa quantia agora é incerto, já que a prisão partiu de uma denúncia anônima.

"Presenteamos a Srebrenica sérvia ao povo sérvio. Chegou o momento de vingar os 'turcos' (nome depreciativo para os muçulmanos bósnios)", disse Mladic em palavras registradas então pelos repórteres de rádio e televisão antes do massacre na pequena cidade bósnia.

A prisão de Mladic é histórica, já que o massacre de Srebrenica é o pior genocídio ocorrido em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Também é comemorada pelo governo, que vê com a prisão de Mladic uma barreira a menos no caminho da Sérvia para entrar na UE. Em pronunciamento, o presidente sérvio Boris Tadic diz que a captura “fecha um capítulo da história recente do país”.

A busca por Mladic acabou, mas o acerto de contas da Sérvia e das demais ex-repúblicas iugoslavas com os acontecimentos das guerras que assolaram a região na década de 1990 ainda está longe de terminar. O mais novo capturado vai se juntar a Karadzic e a dezenas de acusados de atrocidades durante os conflitos que já estão no banco dos réus do TPI.

Mas, a exemplo de outros personagens das guerras nos Bálcãs, desperta sentimentos de amor e ódio. Ao mesmo tempo que é considerado o mal encarnado por croatas e bósnios, é tido como herói pelos ultranacionalistas sérvios – que ainda têm voz ativa no cenário político e na sociedade do país. As reações mais hostis à captura são esperadas do meio militar, sobre o qual pairam suspeitas de ter ajudado Mladic a ficar foragido nos últimos 16 anos.

Ou seja, a novela da captura de Ratko Mladic pode ter chegado ao fim, mas outras estão prestes a começar. E cada capítulo será acompanhado de perto pelas sociedades das ex-repúblicas iugoslavas.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

TV sérvia pede desculpas por apoio a Milosevic

Em uma iniciativa inusitada e sem precedentes, a emissora RTS (Rádio e Televisão Sérvia) pediu desculpas aos cidadãos sérvios e de nações vizinhas por “insultos, difamação, e incitação ao ódio” em seus programas enquanto o ditador Slobodan Milosevic esteve no poder, entre 1989 e 2000.


                                                                                                               
A RTS, que foi considerada um dos pilares do antigo regime e sua maior porta-voz, é a primeira emissora a fazer tal retratação junto à sociedade sérvia. O canal, que deixou de ser estatal em 1996 para virar emissora pública, era tão identificado com Milosevic que teve sua sede na capital, Belgrado, depredada e incendiada em meio aos protestos que levaram à queda do regime, em outubro de 2000. Um ano antes, o mesmo local foi bombardeado pela Otan – 16 funcionários morreram no ataque.

Zarko Trebjesanin, um dos atuais integrantes do Conselho de Administração da RTS, admite que a emissora poderia ter feito o pedido de desculpas antes, mas reforça que "nunca é tarde demais".


Prédio da RTS, em Belgrado
Crédito: Balkan Insight

Avanços à parte, o que poderia estar por trás desse mea culpa, onze anos após o fim da era Milosevic? Melhora da reputação junto à sociedade? O desejo da Sérvia de entrar na União Europeia (UE) ? Na verdade, ambas podem ser consideradas.

O comunicado da RTS deixa claro a atual diretriz editorial da emissora, de defesa dos princípios do Estado de Direito, justiça social, democracia, direitos humanos e das minorias, além do "compromisso com os princípios e valores europeus". Essa orientação – existente pelo menos na teoria – pode muito bem ser entendida com mais um dos esforços sérvios para tentar se redimir da má fama adquirida na era Milosevic e na busca por uma vaga na UE. Até agora, a Eslovênia é a única das ex-repúblicas iugoslavas a integrar o bloco.

Esse novo perfil da RTS, claro, é atacado pela oposição nacionalista (que inclui antigos aliados de Milosevic), contrária à adesão do país à EU e que acusa o canal de fomentar uma permanente campanha pró-governamental e de ser a "correia de transmissão" dos dirigentes pró-ocidentais de Belgrado, empenhados numa rápida aproximação à União Europeia (UE). A direção da RTS nega as acusações.

O fato mostra que, independente da forma de governo, a RTS continua uma peça importante no xadrez político sérvio, mas também sujeita aos solavancos que envolvem a disputa pelo poder. E, quando se trata  da Sérvia, eles são frequentes.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Filme de Angelina Jolie sobre a Bósnia sai em dezembro

Ainda sobre o tema Bósnia e formas de retratar a história recente do país, uma delas será lançada em dezembro, nos EUA. Trata-se do filme “The Land of Blood and Honey”, o primeiro de Angelina Jolie como diretora.

A produção tem uma boa dose de polêmica, devido ao tema escolhido: a história de amor entre uma muçulmana bósnia e um militar sérvio ambientada na guerra que assolou o país entre 1992 e 1995. Boatos de que a protagonista seria estuprada e se apaixonaria pelo autor do ato foram motivo de escândalo e protestos na região. Nem todas as regiões da Bósnia que serviriam de locação para as filmagens concederam a licença necessária para os trabalhos –– a maior parte do longa foi rodada na Hungria.

The Land of Blood and Honey” certamente receberá grande atenção da imprensa devido aos seus dois maiores atrativos – ser a estreia de Jolie atrás das câmeras e pelo tema espinhoso. Mas a forma como ele será recebido nas ex-repúblicas iugoslavas – em especial Bósnia, Croácia e Sérvia – ainda é uma incógnita que deve ficar sem resposta por enquanto. Ou então pelo menos até a divulgação dos primeiros trailers ou de alguma cena que caia na internet por causa de algum vazamento.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Histórias que a guerra não é capaz de destruir

Os livros em quadrinhos de Joe Sacco são ótimos para quem quer começar a entender os Bálcãs e, mais precisamente, a Bósnia. Mas há também ótimas publicações em formato convencional que dão conta da difícil tarefa de falar de uma região tão complexa. E o livro "Da Rosa ao Pó – Histórias da Bósnia Pós-genocídio", do jornalista Gustavo Silva, certamente está entre elas.


Com uma inusitada apresentação de Marcelo Adnet – já comentada no post anterior deste blog –, a obra é o resultado da viagem feita pelo autor em 2009 para conhecer, com os próprios olhos, o país que foi palco do maior genocídio em solo europeu após a Segunda Guerra Mundial, o massacre de Srebrenica (11 de julho de 1995).



O embrião do livro, como o autor explica logo nas primeiras páginas, foi a prisão de Radovan Karadzic, ex-presidente da república sérvia da Bósnia e um dos responsáveis pelo banho de sangue em Srebrenica, em 21 de julho de 2008. Mas o foco central da obra é a Marcha da Paz, realizada anualmente em memória às vítimas do episódio, e da qual o autor tomou conhecimento apenas quando já estava na antiga república iugoslava. Dessa mistura de sorte com senso de oportunidade saiu o grande diferencial do livro – Gustavo foi, segundo os organizadores do evento, o primeiro brasileiro a participar da marcha.

Por meio dos depoimentos presentes no livro é possível ter uma ideia da situação atual do país, das marcas deixadas pela guerra que se seguiu à declaração de independência da Bósnia (1992-1995) e em especial pelo massacre que tirou a vida de cerca de 8 mil pessoas.

Pelo caminho descrito por Gustavo Silva percebe-se a forte presença tanto da rosa (vida, belezas naturais, sobreviventes da guerra, entre outros aspectos) como do pó (marcas de tiros nas construções, alertas sobre minas de guerra, relatos de intolerância étnica), justificando assim o nome da publicação.

O lado didático do livro fica por conta dos boxes que trazem explicações sobre curiosidades da Bósnia, como a pronúncia do idioma, da culinária e de aspectos históricos do país. Outra característica interessante são os trechos de canções da The Rolling Stones, uma das preferidas de Gustavo Silva, no começo de cada capítulo. A obra se encarrega de mostrar o porquê de serem citadas.

A experiência do então estudante de jornalismo da PUC-SP na Bósnia passou de Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em 2009, para o livro que agora chega às livrarias brasileiras pela editora Tinta Negra. Uma publicação que consegue, mesmo abordando um tema pesado, trazer histórias que levam o leitor a refletir sobre como tal carnificina foi possível. Mas também demonstra que nem mesmo a guerra foi capaz de abafar a gentileza, onde as pequenas alegrias brotam lado a lado com as lembranças do terror – e que certamente ajudam a suportá-las.

Para quem deseja saber um pouco mais sobre o autor pode ler a entrevista que ele concedeu a este blog em julho do ano passado, às vésperas do aniversário de 15 anos do massacre de Srebrenica.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Marcelo Adnet e o leste europeu

Ele é mais conhecido pelas comédias stand-up ou pelo trabalho na MTV, junto aos programas "Comédia MTV" e "15 Minutos". Mas eis que um livro ajudou a mostrar um lado menos divulgado do apresentador.

Adnet, que é jornalista de formação é o autor do texto de apresentação do livro " Da Rosa ao Pó - Histórias da Bósnia Pós-Genocídio", escrito por Gustavo Silva. Eu já tinha lido a obra quando ela era ainda um Trabalho de Conclusão do curso de Jornalismo da PUC-SP, apresentado em 2009, mas confesso que torci o nariz quando soube da apresentação. Ao ler o texto, no entanto, uma surpresa das mais gratas. O humorista e jornalista tem um ótimo entendimento sobre ao assunto, e seu relato serve como uma boa introdução para o livro - que ele diz ser o tipo de trabalho que ele não conseguiu fazer sobre a região.

O próprio Adnet explica, durante a apresentação, a origem da curiosidade especial que tem sobre temas relacionados ao leste europeu - ele estudou russo por conta própria quando era adolescente, por exemplo.  A região já foi abordada por ele em algumas edições do "Comédia MTV" e do "15 Minutos" - uma delas pode ser vista no vídeo abaixo, dedicada à Bósnia.


O texto dá uma boa ideia do que esperar nas páginas seguintes, com direito a votos de "Sretan Put" - algo como "boa viagem", em sérvio. Um país cujas feridas deixadas pela guerra ainda custam a cicatrizar, mas é detentor de uma diversidade cultural sem igual no mundo. Um país que é capaz de fazer chorar pelas tragédias e intolerância motivada por certos nacionalistas, mas que ainda assim reúne atributos capazes de encantar quem o visita.