sábado, 29 de janeiro de 2011

Rússia e Cáucaso, uma espiral de violência

A história se repete. Mais uma vez, a Rússia é palco de um atentado suicida. Desta vez o alvo foi o aeroporto de Domodedovo, o maior e mais movimentado do país, nas proximidades da capital Moscou. E, novamente, a suspeita recai sobre os movimentos separatistas da região Cáucaso, em especial o dos chechenos.


Vladimir Putin, atual premiê russo, ex-presidente e potencial candidato a voltar ao posto em 2012, já disse que a retaliação ao ato é “inevitável”. Está formado o circo para mais derramamento de sangue.

Mas, em vez de apontar culpados ou inocentes, o melhor é tentar entender o conturbado processo envolvendo Moscou e a instável região, localizada no sul do país.

O Cáucaso é uma das “esquinas” do mundo, a exemplo de regiões como os Bálcãs e o Oriente Médio. Chamada também de "A Montanha das Mil Línguas", o Cáucaso é povoado há mais de três mil anos por um cadinho de tribos, muitas delas ainda vivendo de acordo com antigos códigos feudais, sempre prontas a se rebelarem contra os ocupantes vindos de fora. Os chechenos (ou tchetchenos) fazem parte dessa lista.



Desde o século XVI o Cáucaso era disputado tanto pelo Império Russo como por persas e otomanos, mas os primeiros levaram vantagem. No começo do século XIX, a Rússia tinha a região praticamente toda sob controle. O que não significa que ela estivesse “pacificada”.

Os chechenos, por exemplo, não eram bem vistos pelos russos. Eram classificados pela imprensa do país no século XIX como "bandidos", selvagens que brutalizavam as mulheres, primitivos que viviam envolvidos em vinganças ancestrais e que não respeitavam as leis da guerra, sequestrando civis russos ou os colocando aprisionados em buracos fétidos.

No outro lado, aparece a conversão chechena ao islamismo, liderada por Imam Shamil (1797-1871), usada exatamente para fazer frente a crescente violência da ocupação russa, entendidos por eles como infiéis por serem cristãos ortodoxos. Sob a liderança Shamil, chechenos e outros povos do Cáucaso convertidos à religião muçulmana mantiveram longa guerrilha contra o império Russo até a rendição de Shamil, em 1864.

Outro ingrediente para lá de explosivo na questão do Cáucaso, que o torna ainda mais importante do ponto de vista estratégico, atende pelo nome de petróleo, encontrado na região em meados do século XIX. A existência de movimentos separatistas como os da Chechência deixam a região ainda mais instável.

De forma mais pontual, a luta dos chechenos pela independência continuou no período soviético, mas voltou a ganhar força em 1991, com a queda da URSS e a posterior declaração de independência. Mas em 1994 o então presidente russo Boris Ieltsin enviou tropas para restaurar a autoridade de Moscou sobre a região. O conflito, conhecido como Primeira Guerra da Chechênia acabou em 1996 com a derrota dos separatistas. Com a retirada das tropas de Moscou da região, seguiu-se um período de anarquia que levou à Segunda Guerra da Chechênia, agora com a Rússia comandada por Vladimir Putin. Denúncias de massacres, estupros e torturas cometidas pelas tropas russas eram frequentes. O conflito terminou em 2000 após uma ofensiva em larga escala da Rússia, que derrotou os separatistas e ajudou Putin a ser reeleito presidente no mesmo ano.

O fim oficial do conflito não significou a cessão das atividades antirussas por parte dos rebeldes chechenos, como os atentados no teatro de Moscou (2002) e na escola de Beslan (2004), só para citar os mais conhecidos.

Em verdade, o extremismo de militantes islâmicos alimenta a brutaliddade das respostas de Moscou e vice-versa. Como não há acenos de paz de nenhum dos lados, a tendência é de novos atos terroristas e incursões militares para o futuro. Pior para as populações civis de ambos os lados, as grandes vítimas dessa espiral de violência.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Qual será o destino de Chernobyl?

Pouco se fala sobre Pripyat. É uma cidade pequena, localizada na região norte da Ucrânia, perto da fronteira com a Bielorrússia. Fundada na década de 1970, chegou a contar com cerca de 50 mil habitantes. Hoje é apenas uma cidade fantasma.

Pripyat pode ser um local praticamente desconhecido do grande público, mas o motivo que a jogou em um caixão a céu aberto é outro. Na verdade, foi vítima do próprio local que impulsionou seu surgimento e crescimento – este sim tem um nome para lá de conhecido, que por si só virou sinônimo de tragédia e destruição: Chernobyl.


A cidade fantasma fica a apenas 18 km da velha usina nuclear, a primeira construída na Ucrânia, então parte da União Soviética. A explosão de um dos reatores de Chernobyl liberou uma radiação 100 vezes maior do que a das bombas lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Foi criada a chamada “zona de exclusão”, que engloba um raio de aproximadamente 48 km do local da explosão. Uma área na qual ninguém poderá residir pelos próximos mil anos.

As fotos que estão neste blog podem ser encontradas no site http://pripyat.com/en/, que conta com uma extensa galeria de imagens, chocantes e desoladoras.

O destino de Chernobyl, no entanto, é incerto. Um deles é a construção de um “sarcófago” para lacrar as ruínas da usina. O outro é, acreditem ou não, transformar Chernobyl em um ponto turístico.

Já existe um lacre provisório, de concreto, feito às pressas pelos soviéticos logo depois da explosão. O improviso, no entanto, além de ainda deixar passar radiação, está se desfazendo com o tempo. Projeto para um “sarcófago nuclear” definitivo para Chernobyl já existe e consiste em uma gigantesca estrutura metálica que barraria a radiação e permitiria o desmonte do reator queimado. Está orçado atualmente em cerca de dois bilhões de euros (cerca de R$ 4,5 bilhões), mas ainda faltam 740 milhões de euros (R$ 1,67 bilhão).

A verba, a princípio, viria da União Europeia (UE) e do chamado G-8, o grupo dos sete países mais ricos do mundo, mais a Rússia. E é justamente de Moscou que está vindo o maior entrave o país que se considera sucessor da antiga União Soviética que tem vindo o maior problema. Enquanto investe milhões de euros na construção de novas usinas nucleares pelo país, o governo russo faz corpo mole quando o assunto é Chernobyl. O jogo de empurra entre UE e Moscou é relatado em matéria da revista alemã Der Spiegel (tradução em português disponível para assinantes do portal UOL).

Enquanto isso, outro debate sobre Chernobyl está em pauta na Ucrânia. É a intenção do governo de transformar a região em um destino turístico, com o objetivo de conscientizar sobre os riscos da radiação nuclear. Para este ano está prevista a abertura da zona de exclusão em torno da usina e, com isso, criar rotas informativas que não ofereçam risco aos visitantes. À margem da lei, no entanto, outras empresas promovem rotas, digamos, mais “ousadas” para conhecer Chernobyl. Uma viagem in loco à velha usina pode ser conferida em matéria da revista Trip.


Com ou sem turistas, com ou sem sarcófagos nucleares, a tragédia de Chernobyl selou o destino de Pripyat e outras localidades vizinhas, pelo menos pelos próximos 975 anos. Uma investigação da ONU calculou em 4 mil o número de vítimas da tragédia, entre casos já comprovados e futuros, especialmente em decorrência do câncer provocado pela radiação. A ONG Greenpeace, no entanto, eleva essa estimativa para 93 mil.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Bem vinda ao euro, Estônia. Ou não...

Em 1º de janeiro a Estônia se tornou o 17º país a adotar o euro, no lugar da coroa estoniana. Integrante da União Europeia (UE) desde 2004, é também a primeira ex-república soviética a aderir à moeda comum do bloco. Já as vizinhas Letônia e Lituânia, também egressas da antiga União Soviética (URSS) e integrantes da UE, ainda não atingiram os requisitos para adotarem a unidade monetária: finanças públicas em dia, estabilidade de preços e de taxa de câmbio, convergência das taxas de juros no longo prazo, independência do banco central nacional em relação ao governo, entre outros.




A situação econômica da Estônia é relativamente estável, com dívida pública reduzida e um orçamento quase equilibrado, que habilitam o país a adotar a moeda. O Banco Central Europeu (BCE) já chama o novo membro da zona do euro de “tigre báltico”.

Mas, enquanto o governo estoniano e outros países europeus comemoram, a adesão não encontra apoio maciço da população. Uma pesquisa feita no país aponta que apenas 49% dos estonianos se mostram favoráveis ao ingresso na zona do euro, enquanto outros 43% dizem ser contrários.

O principal motivo é a situação instável do próprio euro, que vive sua maior crise desde que foi criado, em 1999. Antes considerada uma moeda de estabilidade incontestável, tem hoje essa virtude contestada no mercado financeiro global. A entrada da Estônia na zona do euro é considerada precipitada pelos críticos da adesão. Para eles, era preciso esperar mais um tempo para avaliar até onde poderia chegar a crise na moeda comum europeia.


O fato de a Estônia ser considerada um exemplo econômico dentro da UE não chega a ser um argumento a favor do “tigre báltico”. A Irlanda – chamada no passado de “tigre celta” devido ao grande crescimento econômico e vista como modelo dentro da UE – atravessa atualmente uma grave crise financeira, que teve como origem o setor imobiliário. Para tentar fechar as contassendo obrigada a fazer cortes no orçamento para tentar fechar as contas públicas.

Ao mesmo tempo que a adoção do euro pela Estônia pode significar uma demonstração de força da moeda frente à crise que enfrenta, também lança dúvidas sobre o país, que também atravessou fortes solavancos entre 2008 e 2009, levando o país a promover um grande corte de gastos para reequilibrar as finanças. Tais medidas, apesar de terem permitido à Estônia atingir os pré-requisitos para aderir ao euro, não foram bem recebidas pela população – o que explica a desconfiança de parcela da sociedade estoniana sobre a nova moeda do país.