terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Entre o sangue e o mel

Depois de polêmicas com roteiro, com locais de filmagem e até acusação de plágio, o longa “In the Land of Blood and Honey”, dirigido e roteirizado por Angelina Jolie e ambientado na Guerra da Bósnia, enfim chega às telas dos Estados Unidos. Mas uma pré-estreia foi promovida também em Sarajevo, na Bósnia, apesar de a estreia oficial no país ter ficado para fevereiro. 

Durante o evento, o lado “blood” do filme foi o que mais chamou a atenção do público, pois ajudou a trazer aos dias atuais os horrores da guerra que devastou o país entre 1992 e 1995. “Quando as granadas explodiam no filme, parecia que a guerra continuava”, diz à agência Reuters a bósnia Rukija Vrckalo, de Sarajevo e sobrevivente do cerco de 43 semanas imposto à capital. 

Ao mesmo tempo, porém, o filme tem conseguido elogios até mesmo entre antigos críticos do projeto e figura entre os indicados ao Globo de Ouro. A produção também foi lançada nos EUA em tempo hábil para uma possível indicação ao Oscar 2012.

O real alcance do longa, porém, só poderá ser sentido com a chegada do filme ao circuito comercial fora dos EUA. Críticas devem continuar, como daqueles que acusam Jolie de fazer mau uso do papel de embaixadora da Alta Comissão  da ONU para refugiados e de explorar a desgraça das vítimas da guerra. Deve haver ainda objeções por parte da população sérvia da Bósnia, que pode reclamar de novamente ser taxada como culpada pela guerra.

Por tratar de um tema pesado, provavelmente ficará longe de ser um sucesso de público. Mas pode alcançar reconhecimento caso tenha comprovado o compromisso com uma pesquisa séria, uma abordagem analítica e plena responsabilidade ética para evitar manipulações das vítimas de guerra – certamente um dos pontos mais sensíveis da produção. O diretor de cinema e teatro bósnio Dino Mustafic disse ao jornal britânico The Guardian que, de acordo com pessoas que conversou sobre o longa, ele “foi preparado com grande cuidado e responsabilidade”.

O público brasileiro deve ter de esperar mais para conferir o primeiro filme com Angelina por trás das câmeras.  Chegou-se a falar em março de 2012 como previsão de estreia por aqui, mas ela segue sem uma data oficial.

Estima-se que cerca de 200 mil pessoas morreram durante o conflito, o pior em solo europeu após a Segunda Guerra Mundial. O total de refugiados supera 1 milhão. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Rússia, entre quedas e ascensões

“Nós realmente acreditávamos na palavra mágica e bela, a democracia. Mas muitas coisas não saíram exatamente como esperávamos. Nós começamos a nos perguntar pelo que derramamos nosso sangue.”, diz o russo Serguey Veretelny em entrevista ao diário New York times, dos EUA. E a fala deste cidadão é emblemática para entender o dilmea vivido hoje pela Rússia.

Maior e mais importante das ex-repúblicas soviéticas, a Rússia viveu o mesmo problema que os antigos países do bloco socialista ao sofrer seu “choque de capitalismo” – aumento da desigualdade social, desemprego, abertura do mercado, privatizações em massa e falência de companhias nacionais, entre outros.
A outrora superpotência que rivalizava com os EUA parecia motivo de piada pelo mundo – com direito a algumas performances vexatórias do presidente Boris Ieltsin regadas a vodka. A crise que atingiu a economia russa em 1998, que derrubou a cotação do rublo, e o afundamento do submarino Kursk em 2000 foram símbolos da decadência, de um gigante caído. Esse caldo contribuiu para deixar um sentimento de saudosismo no ar, levando parte da sociedade a preferir o período soviético, mesmo que a custo da restrição de liberdades como a de expressão e de imprensa.

Um dos grandes méritos de Vladimir Putin – que assumiu o poder em 1999, no lugar de Ieltsin –  foi justamente o de recuperar parte do orgulho perdido pós-1991. Ele ainda teve de arcar com o ônus do naufrágio do Kursk, mas foi a partir desse caso que o ex-espião da KGB literalmente colocou a Rússia sob suas rédeas, para o bem e para o mal. A tragédia com o submarino, em 2000, no qual começou sendo atacado, terminou com Putin controlando de forma direta ou indireta grande parte da mídia e da economia. Contou ainda com a alta cotação do petróleo e do gás no mercado internacional, recursos abundantes no solo russo – e que se tornaram instrumento de pressão geopolítica de Moscou.

Putin deixou a presidência em 2008, mas lá deixou o apadrinhado político Medvedev e virou premiê. Para 2012, pretende voltar ao cargo que deixou formalmente quatro anos atrás – mas do qual na prática nunca saiu por completo, tornando-se uma espécie de neoczar.

Para o ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov, Putin fez a Rússia “andar para trás” nos últimos anos no que diz respeito à democracia e liberdade. Mas diz manter a fé de que a democracia vai prevalecer no país.
“O que me preocupa é o que o partido Rússia Unida, de Putin, e o governo estão fazendo. Eles querem preservar o status quo. Não há avanço. Pelo contrário, eles estão nos puxando para o passado, enquanto o país está precisando urgentemente de modernização. Algumas vezes, o partido da Rússia Unida me lembra o antigo Partido Comunista Soviético”, diz Gorbatchov em entrevista à revista alemã Der Spiegel. O ex-lider, no entanto, não esconde que já apoiou Putin no passado.

Apesar de o partido do governo ter perdido espaço no setor legislativo e dos protestos pelas principais cidades russas – que apontavam existência de fraudes no sistema eleitoral –, a oposição ao governo Medvedev ainda é muito deficiente e tampouco deve ter chances de impedir que o antecessor e atual primeiro-ministro chegue à Presidência pela terceira vez.

Seja Putin ou qualquer outro que assumir o Kremlin em 2012, o futuro governante terá diante de si uma Rússia cada vez mais em evidência – recém-admitida na OMC, é a letra R dos Brics (grupo dos principais países emergentes do globo), sede dos Jogos de Inverno (2014) e da Copa do Mundo (2018), entre outros eventos. A maior exposição do país no cenário internacional, no entanto, pode ser usada pela oposição como forma de pressionar o governo por reformas, reivindicações e para construir um verdadeiro debate político na Rússia. A sociedade, mesmo que descrente dos rumos do país, agradece. 

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Os ventos da mudança, vinte anos depois

Em 1989, a banda The Scorpions estourava no mundo todo com a música Wind of Changes, composta após uma viagem do grupo a Moscou, capital da então União Soviética. A canção passou para a história praticamente como um hino das mudanças que ocorriam no leste da Europa naquela época, que incluíam a queda do Muro de Berlim, a dissolução do império soviético e a mudança de regime nos países que estavam do lado oriental da chamada Cortina de Ferro.

Passados vinte anos do fim da URSS, como estariam os “ventos da mudança” citados na canção-símbolo da época? Os valores vendidos pelo Ocidente, como democracia e liberdade, se tornaram uma realidade? Ou tais ventos viraram brisa ou mesmo sumiram, dependendo da região?

Os vinte anos seguintes à queda da URSS foram de mudanças profundas nos países do antigo bloco soviético. E nesta série especial será falado, mesmo que de maneira breve, como ficou cada país desde então.

E para começar, nada melhor do que partir da Rússia, país que mesmo ainda longe do poderio que detinha no passado, como maior das repúblicas soviéticas, conserva considerável influência e peso nas relações internacionais e no equilíbrio do Leste europeu. É dela que tratará o post seguinte a este.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Os campos de estupro na Guerra da Bósnia

Conflitos armados em geral são pródigos em propiciar atrocidades de todo o tipo. Apesar da existência do termo “crimes de guerra”, os lados envolvidos não hesitam em lançar mão dos mais perversos meios de dominação e opressão em nome da vitória militar. Na Guerra da Bósnia, por exemplo, além das batalhas urbanas e dos campos de detenção e concentração, existiram também campos de estupro.

Sim, você leu certo. É o que mostra o artigo “Campos de Estupro: as mulheres e a Guerra da Bósnia”, elaborado pela pesquisadora Andréa Carolina Schvartz Peres, doutora em Antropologia Social pela Unicamp, a partir do trabalho de campo feito em Sarajevo, entre 2007 e 2009. A publicação consta nos Cadernos Pagu, periódico do Núcleo de Estudos de Gênero da mesma universidade; na internet, pode ser lida no site da biblioteca eletrônica Scielo.

Os chamados "campos de estupro" podiam ser tanto dentro dos campos de concentração "tradicionais" como em moteis, escolas ou residências privadas, aponta o jornalista Ed Vulliamy, um dos autores citados. No artigo, no entanto, não fica clara a existência de um total estimado desses locais específicos. Mas Associação para as Vítimas do Genocídio de Zenica, por exemplo, cita evidências de dezessete deles na cidade bósnia. Violações também eram registradas em praça pública.

O total de mulheres estupradas diverge de um estudo para o outro. A Comissão da Comunidade Europeia sobre o assunto, por exemplo, chegou a 20 mil vítimas de estupro e de violência sexual; O Ministério do Interior da Bósnia cita 50 mil; estatísticas extra-oficiais apontam que o total pode girar em torno de 60 mil e 100 mil vítimas.

De acordo com os dados levantados pelo artigo, 60% das vítimas de violência sexual eram bósnias muçulmanas, e os autores, soldados sérvios. Mas não se deve cair na tentação de apontá-los como os maiores culpados por tais crimes, que eram praticados por todos os lados do conflito. Minorias étnicas da região, como albaneses, tchecos e outros, além de homens e crianças, também foram alvo desse tipo de violência.

Os estupros, na verdade, eram verdadeiras armas de guerra. Por um lado, podiam ser usados como instrumentos de limpeza étnica e de tentativa de extermínio; de outro, eram noticiados pelas mídias locais e serviam para ajudar a inflamar os ânimos nacionalistas de todos os lados do conflito – “Eles estão estuprando nossas mães e irmãs”, por exemplo.

Conhecendo mais este lado da complexa Guerra da Bósnia, fica fácil entender porque o filme de Angelina Jolie, ambientado durante no conflito e que conta a história de amor impossível entre uma bósnia muçulmana e um soldado sérvio, causa tanta polêmica – já abordada em outros posts neste blog.

Eis aí mais uma das várias feridas ainda abertas da Bósnia e que custarão muito ainda a cicatrizarem...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A nova polêmica de Angelina Jolie nos Bálcãs

Angelina Jolie não está tendo vida fácil na sua estreia como diretora. A atriz, que falará de uma história de amor impossível entre um sérvio e uma bósnia em meio à guerra que devastou a antiga Iugoslávia na década de 1990, enfrenta uma nova polêmica.

O jornalista bósnio-croata Josip J. Knezevic acusa Jolie de ter roubado a história que criou no livro "Slamanje Duše" - The Soul Shattering, em inglês - para escrever o roteiro de "In the Land of Blood and Honey". Ele publicou uma carta aberta no site The Soul Shattering prtestando contra o suposto plágio.

                                                     
Esta não é a primeira polêmica envolvendo o projeto de Jolie. Logo que foi anunciado, boatos sobre o roteiro – de que trataria de uma mulher bósnia que se apaixonaria pelo próprio estuprador, um soldado sérvio – chegaram a provocar a suspensão das filmagens do longa na Bósnia. Boa parte delas, inclusive, foram feita na Hungria.

Tratar de um tema como a guerra da Bósnia já é um desafio para poucos e para o qual todo cuidado é pouco, já que é muito fácil resvalar ou mesmo reabrir feridas ainda mal cicatrizadas pelas guerras que dissolveram a antiga federação iugoslava. A própria Jolie confessou, em entrevista ao programa norte-americano 60 Minutes, que está apreensiva com a forma que o filme será recebido e teme que as pessoas não o entendam.

E o terreno para possíveis críticas e repercussão negativa do filme andam férteis nos Bálcãs, em especial na Sérvia e na Bósnia, devido às turbulências internas que vivem. No primeiro, por se ver mais longe de uma futura adesão à União Europeia com a recusa em reconhecer a independência do Kosovo; na Bósnia, acirra os já inflamados ânimos entre as etnias do país, que ainda por cima está desde outubro de 2010 sem governo central. Em ambos, a repercussão negativa pode servir de combustível para os argumentos de nacionalistas contra os países ocidentais. Ainda estão bem frescos na mente episódios dos anos 1990 como a inoperância das tropas da ONU contra as atrocidades na guerra da Bósnia e as bombas da Otan sobre a Sérvia.

O filme, quase todo com atores locais e que vivenciaram os horrores da guerra na região, estreia no próximo dia 23 de dezembro nos cinemas dos EUA. No Brasil, a produção é prevista para chegar às telas em 23 de março.


Crédito da foto: divulgação



domingo, 4 de dezembro de 2011

Em Belarus, opositor é proibido de respirar

Governos autoritários são pródigos em criar situações inusitadas, que beiram o bizarro e grotesco. Em Belarus (ou Bielorrúsia), considerada a última ditadura da Europa, teve repercussão na imprensa internacional a punição imposta ao empresário Nikolai Chernous, que foi proibido pelo governo de respirar na praça central de Branovichi.

Chernous é um crítico de Alexander Lukashenko, no poder em Belarus desde 1994 e que proíbe toda e qualquer crítica ao seu governo. O empresário, considerado subversivo pelo regime, já havia organizado outros protestos pela oposição.

Nos últimos meses o governo Lukashenko tem sido alvo de diversas manifestações que pedem a saída dele da presidência de Belarus, à qual se reelegeu no ano passado em um pleito cercado de denúncias de irregularidades. O ditador conta com apoio da Rússia, sustentáculo importante para a manutenção do regime.

No ano passado, o nada glorioso título de "última ditadura da Europa" foi tema de post deste blog. Para relembrá-lo, basta acessar este link.

Com informações do Moscow Times