terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Entre o sangue e o mel

Depois de polêmicas com roteiro, com locais de filmagem e até acusação de plágio, o longa “In the Land of Blood and Honey”, dirigido e roteirizado por Angelina Jolie e ambientado na Guerra da Bósnia, enfim chega às telas dos Estados Unidos. Mas uma pré-estreia foi promovida também em Sarajevo, na Bósnia, apesar de a estreia oficial no país ter ficado para fevereiro. 

Durante o evento, o lado “blood” do filme foi o que mais chamou a atenção do público, pois ajudou a trazer aos dias atuais os horrores da guerra que devastou o país entre 1992 e 1995. “Quando as granadas explodiam no filme, parecia que a guerra continuava”, diz à agência Reuters a bósnia Rukija Vrckalo, de Sarajevo e sobrevivente do cerco de 43 semanas imposto à capital. 

Ao mesmo tempo, porém, o filme tem conseguido elogios até mesmo entre antigos críticos do projeto e figura entre os indicados ao Globo de Ouro. A produção também foi lançada nos EUA em tempo hábil para uma possível indicação ao Oscar 2012.

O real alcance do longa, porém, só poderá ser sentido com a chegada do filme ao circuito comercial fora dos EUA. Críticas devem continuar, como daqueles que acusam Jolie de fazer mau uso do papel de embaixadora da Alta Comissão  da ONU para refugiados e de explorar a desgraça das vítimas da guerra. Deve haver ainda objeções por parte da população sérvia da Bósnia, que pode reclamar de novamente ser taxada como culpada pela guerra.

Por tratar de um tema pesado, provavelmente ficará longe de ser um sucesso de público. Mas pode alcançar reconhecimento caso tenha comprovado o compromisso com uma pesquisa séria, uma abordagem analítica e plena responsabilidade ética para evitar manipulações das vítimas de guerra – certamente um dos pontos mais sensíveis da produção. O diretor de cinema e teatro bósnio Dino Mustafic disse ao jornal britânico The Guardian que, de acordo com pessoas que conversou sobre o longa, ele “foi preparado com grande cuidado e responsabilidade”.

O público brasileiro deve ter de esperar mais para conferir o primeiro filme com Angelina por trás das câmeras.  Chegou-se a falar em março de 2012 como previsão de estreia por aqui, mas ela segue sem uma data oficial.

Estima-se que cerca de 200 mil pessoas morreram durante o conflito, o pior em solo europeu após a Segunda Guerra Mundial. O total de refugiados supera 1 milhão. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Rússia, entre quedas e ascensões

“Nós realmente acreditávamos na palavra mágica e bela, a democracia. Mas muitas coisas não saíram exatamente como esperávamos. Nós começamos a nos perguntar pelo que derramamos nosso sangue.”, diz o russo Serguey Veretelny em entrevista ao diário New York times, dos EUA. E a fala deste cidadão é emblemática para entender o dilmea vivido hoje pela Rússia.

Maior e mais importante das ex-repúblicas soviéticas, a Rússia viveu o mesmo problema que os antigos países do bloco socialista ao sofrer seu “choque de capitalismo” – aumento da desigualdade social, desemprego, abertura do mercado, privatizações em massa e falência de companhias nacionais, entre outros.
A outrora superpotência que rivalizava com os EUA parecia motivo de piada pelo mundo – com direito a algumas performances vexatórias do presidente Boris Ieltsin regadas a vodka. A crise que atingiu a economia russa em 1998, que derrubou a cotação do rublo, e o afundamento do submarino Kursk em 2000 foram símbolos da decadência, de um gigante caído. Esse caldo contribuiu para deixar um sentimento de saudosismo no ar, levando parte da sociedade a preferir o período soviético, mesmo que a custo da restrição de liberdades como a de expressão e de imprensa.

Um dos grandes méritos de Vladimir Putin – que assumiu o poder em 1999, no lugar de Ieltsin –  foi justamente o de recuperar parte do orgulho perdido pós-1991. Ele ainda teve de arcar com o ônus do naufrágio do Kursk, mas foi a partir desse caso que o ex-espião da KGB literalmente colocou a Rússia sob suas rédeas, para o bem e para o mal. A tragédia com o submarino, em 2000, no qual começou sendo atacado, terminou com Putin controlando de forma direta ou indireta grande parte da mídia e da economia. Contou ainda com a alta cotação do petróleo e do gás no mercado internacional, recursos abundantes no solo russo – e que se tornaram instrumento de pressão geopolítica de Moscou.

Putin deixou a presidência em 2008, mas lá deixou o apadrinhado político Medvedev e virou premiê. Para 2012, pretende voltar ao cargo que deixou formalmente quatro anos atrás – mas do qual na prática nunca saiu por completo, tornando-se uma espécie de neoczar.

Para o ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov, Putin fez a Rússia “andar para trás” nos últimos anos no que diz respeito à democracia e liberdade. Mas diz manter a fé de que a democracia vai prevalecer no país.
“O que me preocupa é o que o partido Rússia Unida, de Putin, e o governo estão fazendo. Eles querem preservar o status quo. Não há avanço. Pelo contrário, eles estão nos puxando para o passado, enquanto o país está precisando urgentemente de modernização. Algumas vezes, o partido da Rússia Unida me lembra o antigo Partido Comunista Soviético”, diz Gorbatchov em entrevista à revista alemã Der Spiegel. O ex-lider, no entanto, não esconde que já apoiou Putin no passado.

Apesar de o partido do governo ter perdido espaço no setor legislativo e dos protestos pelas principais cidades russas – que apontavam existência de fraudes no sistema eleitoral –, a oposição ao governo Medvedev ainda é muito deficiente e tampouco deve ter chances de impedir que o antecessor e atual primeiro-ministro chegue à Presidência pela terceira vez.

Seja Putin ou qualquer outro que assumir o Kremlin em 2012, o futuro governante terá diante de si uma Rússia cada vez mais em evidência – recém-admitida na OMC, é a letra R dos Brics (grupo dos principais países emergentes do globo), sede dos Jogos de Inverno (2014) e da Copa do Mundo (2018), entre outros eventos. A maior exposição do país no cenário internacional, no entanto, pode ser usada pela oposição como forma de pressionar o governo por reformas, reivindicações e para construir um verdadeiro debate político na Rússia. A sociedade, mesmo que descrente dos rumos do país, agradece. 

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Os ventos da mudança, vinte anos depois

Em 1989, a banda The Scorpions estourava no mundo todo com a música Wind of Changes, composta após uma viagem do grupo a Moscou, capital da então União Soviética. A canção passou para a história praticamente como um hino das mudanças que ocorriam no leste da Europa naquela época, que incluíam a queda do Muro de Berlim, a dissolução do império soviético e a mudança de regime nos países que estavam do lado oriental da chamada Cortina de Ferro.

Passados vinte anos do fim da URSS, como estariam os “ventos da mudança” citados na canção-símbolo da época? Os valores vendidos pelo Ocidente, como democracia e liberdade, se tornaram uma realidade? Ou tais ventos viraram brisa ou mesmo sumiram, dependendo da região?

Os vinte anos seguintes à queda da URSS foram de mudanças profundas nos países do antigo bloco soviético. E nesta série especial será falado, mesmo que de maneira breve, como ficou cada país desde então.

E para começar, nada melhor do que partir da Rússia, país que mesmo ainda longe do poderio que detinha no passado, como maior das repúblicas soviéticas, conserva considerável influência e peso nas relações internacionais e no equilíbrio do Leste europeu. É dela que tratará o post seguinte a este.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Os campos de estupro na Guerra da Bósnia

Conflitos armados em geral são pródigos em propiciar atrocidades de todo o tipo. Apesar da existência do termo “crimes de guerra”, os lados envolvidos não hesitam em lançar mão dos mais perversos meios de dominação e opressão em nome da vitória militar. Na Guerra da Bósnia, por exemplo, além das batalhas urbanas e dos campos de detenção e concentração, existiram também campos de estupro.

Sim, você leu certo. É o que mostra o artigo “Campos de Estupro: as mulheres e a Guerra da Bósnia”, elaborado pela pesquisadora Andréa Carolina Schvartz Peres, doutora em Antropologia Social pela Unicamp, a partir do trabalho de campo feito em Sarajevo, entre 2007 e 2009. A publicação consta nos Cadernos Pagu, periódico do Núcleo de Estudos de Gênero da mesma universidade; na internet, pode ser lida no site da biblioteca eletrônica Scielo.

Os chamados "campos de estupro" podiam ser tanto dentro dos campos de concentração "tradicionais" como em moteis, escolas ou residências privadas, aponta o jornalista Ed Vulliamy, um dos autores citados. No artigo, no entanto, não fica clara a existência de um total estimado desses locais específicos. Mas Associação para as Vítimas do Genocídio de Zenica, por exemplo, cita evidências de dezessete deles na cidade bósnia. Violações também eram registradas em praça pública.

O total de mulheres estupradas diverge de um estudo para o outro. A Comissão da Comunidade Europeia sobre o assunto, por exemplo, chegou a 20 mil vítimas de estupro e de violência sexual; O Ministério do Interior da Bósnia cita 50 mil; estatísticas extra-oficiais apontam que o total pode girar em torno de 60 mil e 100 mil vítimas.

De acordo com os dados levantados pelo artigo, 60% das vítimas de violência sexual eram bósnias muçulmanas, e os autores, soldados sérvios. Mas não se deve cair na tentação de apontá-los como os maiores culpados por tais crimes, que eram praticados por todos os lados do conflito. Minorias étnicas da região, como albaneses, tchecos e outros, além de homens e crianças, também foram alvo desse tipo de violência.

Os estupros, na verdade, eram verdadeiras armas de guerra. Por um lado, podiam ser usados como instrumentos de limpeza étnica e de tentativa de extermínio; de outro, eram noticiados pelas mídias locais e serviam para ajudar a inflamar os ânimos nacionalistas de todos os lados do conflito – “Eles estão estuprando nossas mães e irmãs”, por exemplo.

Conhecendo mais este lado da complexa Guerra da Bósnia, fica fácil entender porque o filme de Angelina Jolie, ambientado durante no conflito e que conta a história de amor impossível entre uma bósnia muçulmana e um soldado sérvio, causa tanta polêmica – já abordada em outros posts neste blog.

Eis aí mais uma das várias feridas ainda abertas da Bósnia e que custarão muito ainda a cicatrizarem...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A nova polêmica de Angelina Jolie nos Bálcãs

Angelina Jolie não está tendo vida fácil na sua estreia como diretora. A atriz, que falará de uma história de amor impossível entre um sérvio e uma bósnia em meio à guerra que devastou a antiga Iugoslávia na década de 1990, enfrenta uma nova polêmica.

O jornalista bósnio-croata Josip J. Knezevic acusa Jolie de ter roubado a história que criou no livro "Slamanje Duše" - The Soul Shattering, em inglês - para escrever o roteiro de "In the Land of Blood and Honey". Ele publicou uma carta aberta no site The Soul Shattering prtestando contra o suposto plágio.

                                                     
Esta não é a primeira polêmica envolvendo o projeto de Jolie. Logo que foi anunciado, boatos sobre o roteiro – de que trataria de uma mulher bósnia que se apaixonaria pelo próprio estuprador, um soldado sérvio – chegaram a provocar a suspensão das filmagens do longa na Bósnia. Boa parte delas, inclusive, foram feita na Hungria.

Tratar de um tema como a guerra da Bósnia já é um desafio para poucos e para o qual todo cuidado é pouco, já que é muito fácil resvalar ou mesmo reabrir feridas ainda mal cicatrizadas pelas guerras que dissolveram a antiga federação iugoslava. A própria Jolie confessou, em entrevista ao programa norte-americano 60 Minutes, que está apreensiva com a forma que o filme será recebido e teme que as pessoas não o entendam.

E o terreno para possíveis críticas e repercussão negativa do filme andam férteis nos Bálcãs, em especial na Sérvia e na Bósnia, devido às turbulências internas que vivem. No primeiro, por se ver mais longe de uma futura adesão à União Europeia com a recusa em reconhecer a independência do Kosovo; na Bósnia, acirra os já inflamados ânimos entre as etnias do país, que ainda por cima está desde outubro de 2010 sem governo central. Em ambos, a repercussão negativa pode servir de combustível para os argumentos de nacionalistas contra os países ocidentais. Ainda estão bem frescos na mente episódios dos anos 1990 como a inoperância das tropas da ONU contra as atrocidades na guerra da Bósnia e as bombas da Otan sobre a Sérvia.

O filme, quase todo com atores locais e que vivenciaram os horrores da guerra na região, estreia no próximo dia 23 de dezembro nos cinemas dos EUA. No Brasil, a produção é prevista para chegar às telas em 23 de março.


Crédito da foto: divulgação



domingo, 4 de dezembro de 2011

Em Belarus, opositor é proibido de respirar

Governos autoritários são pródigos em criar situações inusitadas, que beiram o bizarro e grotesco. Em Belarus (ou Bielorrúsia), considerada a última ditadura da Europa, teve repercussão na imprensa internacional a punição imposta ao empresário Nikolai Chernous, que foi proibido pelo governo de respirar na praça central de Branovichi.

Chernous é um crítico de Alexander Lukashenko, no poder em Belarus desde 1994 e que proíbe toda e qualquer crítica ao seu governo. O empresário, considerado subversivo pelo regime, já havia organizado outros protestos pela oposição.

Nos últimos meses o governo Lukashenko tem sido alvo de diversas manifestações que pedem a saída dele da presidência de Belarus, à qual se reelegeu no ano passado em um pleito cercado de denúncias de irregularidades. O ditador conta com apoio da Rússia, sustentáculo importante para a manutenção do regime.

No ano passado, o nada glorioso título de "última ditadura da Europa" foi tema de post deste blog. Para relembrá-lo, basta acessar este link.

Com informações do Moscow Times

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Bósnia, refém da "paz" de Dayton

No último dia 21 completaram-se 16 anos da assinatura do acordo de paz que colocou fim à guerra na Bósnia, o pior conflito em solo europeu desde o fim da Segunda Guerra Mundial e que se arrastava desde 1992.

Pelo acordo, ficou definido que a Bósnia ficaria composta por duas entidades – a República Sérvia da Bósnia (República Srpska) e a Federação da Bósnia-Herzegovina (ou Federação muçulmano-croata) e que a presidência seria exercida por um triunvirato composto por um representante sérvio, outro croata e um bósnio muçulmano. Em 2005, quando foram celebrados dez anos da assinatura do tratado, o então subsecretário de Estado norte-americano Nicholas Burns elogiou a paz de Dayton, mas disse que o acordo precisaria “ser modernizado”.

A fala de Burns não foi necessariamente profética, porque o inusitado sistema político que tentou agradar a gregos e troianos (ou melhor, a sérvios, croatas e bosníacos) não demorou a dar sinais de debilidade – ou mesmo de ser inviável na prática. Aliás, não é exagero dizer que a Bósnia se tornou uma espécie de refém do acordo de Dayton, que tinha como objetivo trazer a paz aos Bálcãs.

O melhor exemplo é a situação atual do país, que no último dia 3 de outubro completou nada menos que um ano sem governo. Além da falta de entendimento entre as duas entidades que formam o país, desta vez há também as discordâncias entre croatas e bosníacos, que compõem uma delas. A incerteza ajuda a alimentar os ressentimentos étnicos mal resolvidos e serve como argumento para os defensores da teoria de que cada 
etnia siga para seu lado – pregada em especial na parte sérvia da Bósnia.

"A arquitetura constitucional criada pelos acordos de paz de Dayton, com esse rígido tramado de poderes de veto, não funciona", explica Andrea Rossini, especialista em Bósnia do Observatório sobre os Bálcãs e o Cáucaso, ao jornal espanhol El País.

A divisão político-administrativa criada por Dayton não é a única crítica feita ao acordo. Segundo especialistas, ele ajudou a legitimar as atrocidades ocorridas durante a guerra. Cidades que outrora eram habitadas pelos três povos ao mesmo tempo foram limpas etnicamente ou tiveram o perfil populacional alterado para sempre. Em Srebrenica, palco do massacre de 1995 e hoje na porção sérvia da Bósnia, ainda conta com relativo equilíbrio. Dos atuais 10 mil habitantes, 60% são sérvios e outros 40% muçulmanos – em 1991 eles chegavam a 72,3% do total.

Imobilizada pelo acordo de Dayton e pela falta de entendimento entre sérvios, croatas e bosníacos, a Bósnia tem seu futuro como nação colocado em cheque. Apelidada de "pequena Iugoslávia", se vê com os mesmos problemas étnicos vividos pela extinta federação. Talvez o horror recente gerado pela dissolução iugoslava nos anos 1990 ajude a segurar um pouco o ímpeto dos nacionalistas mais extremos. Mas infelizmente as perspectivas para os próximos meses ou anos, caso mantido o atual contexto, não são nada animadoras.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Rádio, rock e resistência - entrevista com Veran Matic

Abaixo segue uma entrevista que fiz em outubro de 2006, junto com meu colega Edson Castro, para o Contraponto, jornal laboratório da PUC-SP, e também publicada na edição 195 do jornal Brasil de Fato, do fim de novembro daquele ano. O entrevistado é Veran Matic, CEO da B92, um dos poucos veículos de comunicação nos anos 1990 a se colocar contra o governo de Solobodan Milosevic na Sérvia e na Iugoslávia.

Hoje ela é considerada um dos maiores grupos midiáticos da região - e acusada por alguns de trair alguns dos princípios que a norteavam nos primórdios. Mas a trajetória dessa organização é um retrato pouco comum daqueles dias no país, e que vale a pena ser conhecido. Abaixo, o texto na íntegra, incluindo a introdução.

Rádio, rock e resistência


Edson Castro
Rodrigo Borges Delfim

A história da Rádio B92 se confunde com a história recente da Sérvia e da região dos Bálcãs, marcada por sua instabilidade histórica. Fundada por um grupo de jovens em 15 de maio de 1989 com o slogan “A rádio que você ouve, vê, lê, toca... a rádio que tem vida”, a B92 surgiu em um momento onde o então presidente da Sérvia, Slobodan Milosevic, começava a estender sua influência sobre a mídia sérvia e depois se utilizaria dela para propagar um nacionalismo sombrio que resultaria em guerras, hiperinflação, repressão política, assassinatos, limpeza étnica, entre outros.

A Rádio B92 atuou como voz dissonante a esse contexto e ao regime repressor de Milosevic, apoiando manifestações contra o regime, denunciando as atrocidades que eram cometidas, lutando contra a censura imposta por Milosevic (a rádio foi fechada quatro vezes em dez anos). Mostrou uma outra Sérvia, diferente da que era descrita mundo afora como a imagem e semelhança de seu presidente, conhecido como “o açougueiro dos Bálcãs”. A oposição da rádio se refletia também em sua programação musical, baseada em músicas de protesto típicas do punk-rock, ao contrário das músicas de cunho nacionalista veiculadas pela maioria das rádios de Belgrado. Hoje a B92 se tornou a Rádio Televisão B92 (RTV B92), de alcance nacional, uma das organizações de mídia mais respeitadas dos Bálcãs. Sua história está descrita no livro “Rádio Guerrilha – Rock e Resistência em Belgrado”, lançado este ano pela Editora Barracuda.

Fundador e atual diretor executivo da RTV B92, Veran Matic esteve no Brasil para o Antídoto – Seminário Internacional de Ações Culturais em Zonas de Conflito, promovido pelo Itaú Cultural e o Grupo Cultural AfroReggae entre os dias 17 e 20 de outubro em São Paulo. Na entrevista abaixo, Veran falou da rádio nos tempos de Milosevic e dos desafios atuais da B92, entre eles o de conciliar a sua história de luta contra um regime repressor e seu atual status comercial.


Crédito: Conteúdo Comunicação/Divulgação

Contraponto - Como e de onde surgiu a idéia da B92?
Veran Matic - Desde 1984 quando eu já trabalhava com jornalismo, queria fazer um programa que fosse bem aceito pelos jovens do país.Por ocasião das comemorações do aniversário de Tito em 1989, conseguimos, junto ao governo, a autorização para que fosse transmitido um programa experimental pelo período de 15 dias. No entanto, após esse prazo, a rádio continuou operando mesmo na ilegalidade, por oito anos, até que obtivemos os documentos necessários para a regularização.

O rádio era praticamente o único veículo que militava no país, e a idéia era montar uma rádio com um grupo de pessoas que lutassem contra as idéias predominantes na sociedade, um lugar onde pudéssemos ter liberdade de nos expressarmos e defender os direitos humanos, uma coisa diferente de tudo o que era feito até o momento, já que até então só o que havia de fato era a mídia estatal. Era uma rádio bem jovem.

CP - Desde o começo você já imaginava que a B92 assumiria esse papel de oposição ao governo?
VM - A rádio já nasceu em um momento especial – pouco antes da queda do muro de Berlim -, em uma época em que não havia outros partidos além do Comunista. Então a rádio era o único lugar em que os jovens poderiam conversar, motivo pelo qual a rádio conseguiu preservar sempre sua independência. A rádio se fortalecia à medida que apoiava manifestações que contestavam o regime de Milosevic, como as que ocorreram em favor das mães, das crianças, dos direitos humanos. Acabávamos representando as minorias presentes no país, desde políticos da oposição até prostitutas.

CP - Como a rádio se mantinha financeiramente, na época da guerra?
VM - Nos primeiros anos (de 1989 até 1991) a rádio estava bem segura financeiramente por causa dos comerciais. Com o início das guerras em 1991, cessaram os comerciais e ninguém queria ajudar a B92 por medo de se envolver com uma rádio que era contra o regime. Então a rádio promovia shows em clubes que com a Internet chegavam ao mundo inteiro. Também era promovida anualmente uma grande conferência para atrair doadores, onde expúnhamos nossas idéias, nossos planos para o ano seguinte. Obtivemos por volta de 40 doadores, cuja participação de cada um era sempre limitada a até 20% do valor arrecadado pela rádio para preservar a sua independência. Hoje, 90% da renda da B92 vem do marketing e só 10% são doações.

CP – Qual foi o papel revolucionário que a rádio teve junto ao processo de transformação da Sérvia?
VM - É uma situação muito difícil de lidar, mas um dos mais importante foi a criação de uma rede de estações de rádio e TV em volta da B92, conectados via satélite. Com isso, as discussões antes restritas a Belgrado se espalharam pelo país. Não queríamos uma democracia importada dos Estados Unidos, por exemplo. É muito importante que o desejo de democracia parta de dentro da sociedade sérvia, pois assim ele se torna mais forte e verdadeiro. Um resultado prático disso foi a queda do Milosevic em 2000.

CP - Você em algum momento sentiu medo de Milosevic?
VM - Sim, mas o maior medo não era tanto em relação a mim, mas em relação a minha família. Fiz um acordo com minha esposa para que não conversássemos muito sobre o que poderia acontecer comigo. Em 1999 eu estava em casa e por volta das duas da manhã percebi que haviam cortado o sinal da rádio. Tinha certeza que com isso os funcionários estariam sendo detidos e expliquei para minha mulher o que estava havendo, que eu deveria ir para lá também e que eu seria preso, o que ocorreu de fato. Mas só hoje, depois que tudo isso aconteceu, é que percebemos o tamanho do risco e do perigo que corríamos.

CP - Em seu início, a B92 tinha como diretor executivo Nemad Cekic, que saiu devido a divergências. Como é a relação hoje entre vocês?
VM - Tivemos algumas diferenças, pois Cekic gostava mais de música popular e eu de música mais progressiva; ele não era tão crítico em relação ao regime, enquanto eu tinha uma postura mais dura. Vivíamos em dois mundos separados. Hoje em dia Nemad é CEO (sigla em inglês para diretor executivo) da Index Plus Company. Já faz muitos anos que não temos nenhum contato, mas não houve nenhuma briga entre nós.

CP - Como você vê hoje a juventude sérvia?
VM - A vida dos jovens na Sérvia é bem complicada por causa do mercado de trabalho que é bastante fraco. Durante as guerras saíram do país 400 mil jovens. Com a queda de Milosevic muitos se interessaram em voltar ao país, mas após vários anos de economia fraca ainda há muitos que saem do país em busca de melhores condições. Há problemas também com drogas, como heroína, cocaína e maconha. As escolas públicas antes da guerra tinham uma boa qualidade de ensino, mas durante as guerras foram destruídas por causa desse regime que estava no poder.

Meu filho todo ano aprendia na escola uma fronteira diferente por causa das guerras que alteravam a todo instante as fronteiras dos países da região, e que continuam se alterando. Em 2006 Montenegro se separou da Sérvia, e em 2007 a região do Kosovo muito provavelmente fará o mesmo. Até nós em Belgrado estamos pensando em nos separar também (risos).

CP - Na sua opinião, o que é a B92 para a Sérvia e para você em particular?
VM - Tanto para mim como para a Sérvia a B92 é um símbolo, uma referência de informação verdadeira, que todo mundo vai escutar e procurar no caso de qualquer problema, para saber o que está acontecendo. Exemplo disso é o caso do assassinato do premiê Zoran Djindjic (morto em março de 2003, caso ainda não completamente esclarecido), onde grande parte da população acompanhou o que ocorria pela B92 enquanto a TV estatal estava duas horas atrasada.

Nem o governo, nem a oposição gostam muito da B92, mas a emissora também não sofre nenhum tipo de influência. A B92 tem mais espectadores que as outras duas emissoras principais – uma estatal, a RTS (Rádio e Televisão Sérvia) e outra comercial. No entanto, mesmo não gostando da B92, os próprios políticos vêm até a emissora em tempo de eleição por causa do crédito que a temos junto ao público.

CP – A B92 teve como um de seus slogans “Não confie em ninguém, nem na gente”. Como fica hoje esse slogan, já que você tinha toda uma preocupação de que as pessoas não aceitassem cegamente tudo o que passava na B92 a exemplo do que ocorria na TV estatal?
VM - Hoje em dia esse slogan não é mais usado (risos). A idéia do slogan era a seguinte: durante quatro semanas em 1993 tivemos um programa sobre política, no qual ia ao ar ao vivo com vários convidados políticos. Mas chegou um momento em que eu fiquei preocupado com o fato de que qualquer coisa que eu dissesse os ouvintes tomariam como verdadeira, sem questionamento, não importando o que fossem. A mensagem por trás do slogan era “pense por si próprio, com sua própria cabeça, seja independente”.

Com o passar do tempo, a população passou a pensar mais por si mesma, apesar de outros problemas que surgiram agora. Hoje há um número crescente de tablóides sensacionalistas em circulação na Sérvia, com um péssimo jornalismo. Mas em um certo ponto isso é até bom, já que a população sérvia assim pode diferenciar melhor a B92 de tais veículos.

Em 1998 sentíamos que o regime de Milosevic iria acabar. Então chamamos um especialista britânico para que ele deixasse a emissora mais “light”, por uma questão de sobrevivência mesmo, para que a nossa mensagem pudesse chegar a mais pessoas. E ele ficou chocado com o slogan da B92. A evolução da rádio foi mais lenta e gradual do que na televisão, e elas tem que ser feitas gradativamente.

Nem todos acreditam no que a B92 diz, como os nacionalistas, mas assim mesmo eles nos assistem na TV.

CP - Como fica toda a história da B92 frente a esse lado comercial, como conciliar ambos?
VM - Hoje a B92 é mais comercial, infelizmente passamos alguns programas que não gostaríamos de passar, como o Big Brother. Não é um assunto que interessa à B92, mas transmitimos por causa da sua popularidade. Mas, com o dinheiro obtido com esses programas, nós podemos produzir outras coisas que são mais ao nosso gosto. Mesmo o Big Brother nós procuramos adaptar à realidade local, colocando entre os participantes um sérvio cristão, um bósnio muçulmano, entre outros.

Procuramos oferecer uma programação de qualidade. Transmitimos eventos esportivos como a Liga dos Campeões, a Fórmula 1 e o Campeonato Espanhol. Produzimos vários “talk-shows” que são bem populares, onde a política é um dos temas debatidos. Procuramos montar a grade de programação de forma que o telespectador depois de assistir um programa como o Big Brother, por exemplo, assista o noticiário logo em seguida.

A grande vantagem da B92 em relação aos demais é que TV, Internet e rádio são conectados entre si, com os jornalistas trabalhando ao mesmo tempo para os três veículos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Estônia e Sérvia: dois extremos no Leste

Apesar da grave crise enfrentada pelo euro, entrar na União Europeia e adotar a moeda continental no futuro ainda são objeto de desejo para a maioria dos países ainda de fora do bloco, em especial no leste. Mas enquanto certos países experimentam avanços a passos largos rumo à tão sonhada integração, outros patinam. Como exemplos desses dois lados podem ser citados a Estônia e a Sérvia.

Integrante da UE desde 2004 e parte da zona do euro desde janeiro deste ano, a Estônia é atualmente considerada um país modelo dentro do bloco. A pequena ex-república soviética tentou apagar qualquer vestígio da URSS no sistema político e burocrático e não hesitou em “cortar na própria carne” para enfrentar a crise global de 2008, que afetou duramente o país: cortes em serviços sociais e de saúde, redução nos salários e na burocracia estatal. Tudo isso com o consentimento da população, que não esboçou reação às medidas adotadas pelo governo – em outros países o efeito de medidas de arrocho como essas causariam mais e mais protestos.

Como resultado dessa política, o país atualmente tem baixo nível de endividamento, atrai investidores e empreendedores de toda a Europa e conseguiu com facilidade cumprir as metas para adotar o euro. Depois de encolher nada menos que 14% em 2009, o PIB estoniano já acumula alta de 8% nos dois primeiros 
trimestres deste ano. Se tal crescimento vai se manter nos anos seguintes ainda não é possível prever, mas são suficientes para atrair a simpatia de Bruxelas.

Do lado oposto da questão estão os países dos Bálcãs que ainda não ingressaram na UE, em especial a Sérvia. No último relatório feito pelos países-membros do bloco, a principal sucessora da antiga Iugoslávia teve recomendado status de candidato, mas sem data certa para início das negociações. Recados duros também foram enviados à Bósnia e Albânia para que primeiro consigam resolver suas demandas internas. As exceções são Croácia e Montenegro, que podem ingressar no tão sonhado bloco a partir de 2013 – para grande irritação da Sérvia.

Em Belgrado era grande a crença que a captura do general Ratko Mladic eliminaria os obstáculos entre o país e a entidade. Passados quase seis meses da entrega do ex-militar ao Tribunal de Haia, o crescimento da tensão envolvendo o Kosovo esfriou as negociações com Bruxelas. Somada à alta taxa de desemprego, na casa dos 20%, tal baque reduz o apoio da sociedade a uma futura entrada na UE e vira argumento para a oposição nacionalista e radical. Representada por Tomislav Nikolic, essa aliança perdeu por apenas 100 mil votos a eleição presidencial de 2008 para o candidato pró-Europa e reeleito Boris Tadic.

Além de se preocupar com a crise da dívida, a UE também não pode descuidar da integração do restante da Europa, caso pretenda ser um bloco que represente a totalidade do continente. Mas dois fatos ficam claro a partir desses dois exemplos: que lidar com um país praticamente iniciado do zero há vinte anos atrás como a Estônia é uma coisa; e lidar com outro com passado recente de conflitos e ainda cheio de questões étnicas, políticas e históricas para resolver é bem diferente. E a Europa mostra que ainda não aprendeu a lidar com a instável região balcânica. 

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Vladimir Putin, 24 anos

Fim da especulação. Dmitri Medvedev, atual presidente da Rússia, abriu mão de disputar a reeleição e propôs que seu mentor e antecessor, o hoje premiê Vladimir Putin, seja o candidato ao cargo nas eleições em 2012. O anúncio ocorreu durante o congresso do partido Rússia Unida, ao qual pertencem.

Apesar das tentativas de se firmar no poder, incluindo o “apoio” das Meninas de Medvedev, prevaleceu a lógica. Desta forma, ele cumpriu o papel ao qual estava destinado desde quando foi indicado por Putin para sucedê-lo: exercer uma espécie de mandato-tampão, como forma de driblar a lei russa que não permitia o terceiro mandato consecutivo para Putin.

Apesar do intervalo de quatro anos de Medvedev no Kremlin, na prática Putin jamais deixou o poder, já que foi “convidado” a exercer a função de primeiro-ministro pelo sucessor – e agora virtual antecessor. Com a oposição fragilizada, a eleição presidencial russa deve ser uma mera formalidade para sacramentar o retorno do ex-espião da KGB ao cargo.

Livre para disputar – e exercer novamente – dois mandatos seguidos, Putin pode chegar à proeza de permanecer no poder até 2024, já que mudanças na Constituição russa ampliaram de quatro para seis anos a duração do mandato presidencial.

Com isso, pode completar nada menos que 24 anos seguidos no poder, iniciado quando assumiu a presidência ainda de forma interina em 31 de dezembro de 1999, no lugar do titular Boris Ieltsin. Já se trata do homem que mais ficou no Kremlin desde Stalin. E misturando elementos stalinistas e cazristas com um culto à imagem que promove como poucos, Putin consolida-se cada vez mais como uma espécie de neo-czar russo. Só falta a coroa. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Al Jazeera a caminho dos Bálcãs

A rede de televisão Al Jazeera, sediada no Qatar e chamada por alguns de a “CNN árabe”, tem os Bálcãs como próximo – e ousado – alvo.

A Al Jazeera Balkans – que já conta com site próprio, no qual aparece a mensagem “Comming soon e uma breve explicação sobre o projeto” – chegou a ser prevista para janeiro deste ano, mas agora tem novembro como nova data prevista para começar suas transmissões. O investimento da emissora qatariana no novo braço balcânico – e europeu, claro – é da ordem de 10 milhões de euros.


A sede do novo canal será em Sarajevo, capital da Bósnia, mas pretende abranger toda a antiga Iugoslávia. Escritórios serão abertos em Belgrado (Sérvia) e Zagreb (Croácia). Além disso, estão previstos gabinetes no Kosovo, Montenegro, Turquia e Macedônia.

A presença de uma organização midiática do porte da Al Jazeera deve mexer com os Bálcãs em diversos aspectos, tanto sócio-políticos como econômicos. Enquanto entusiastas dizem que o novo canal vai enriquecer o cenário midiático da região, críticos duvidam das reais intenções e da viabilidade do projeto.

A emissora se propõe a ser uma fonte independente de notícias internacionais e locais. “Pontos de vista pessoais não tem e não terão nada a ver com nossos programas. Não haverá conclusões ou comentários”, diz o diretor de programação da emissora, Goran Milic. Resta saber se tal orientação será seguida à risca quando o novo canal estiver no ar, já que é impossível ficar completamente imune a influências políticas.

A chegada da Al Jazeera também deve sacudir o mercado midiático, se tornando um competidor de peso frente às emissoras estatais e públicas que predominam na região. Um dado curioso é que o anúncio da chegada da Al Jazeera acontece poucos meses após a BBC fechar o serviço radiofônico de notícias que mantinha na região.

Somente com a programação no ar será possível avaliar com mais segurança quais serão os efeitos da chegada da Al Jazeera à região. O canal conseguiu, em relação ao Oriente Médio, mostrar histórias e pontos de vista que eram pouco explorados por emissoras dos EUA e Europa. Espera-se pelo menos que a mesma coisa possa acontecer em relação aos Bálcãs.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

As mulheres de Putin e Medvedev

A eleição presidencial na Rússia será apenas em 2012, mas a disputa entre Vladimir Putin e Dmitri Medvedev já começou. Padrinho e apadrinhado políticos dizem que vão decidir juntos, até março de 2012, qual dos dois será o candidato do governo ao Kremlin. Enquanto isso, nas ruas, grupos de mulheres ganham destaque na mídia internacional ao usarem os próprios corpos como forma de demonstrar apoio aos postulantes.

Do lado do atual premiê está o “Exército de Putin”, que convida o eleitorado feminino a “rasgar a roupa” em apoio a ele – com direito a um iPad 2 para quem fizer a demonstração de apoio mais ousada. Ainda em outubro do ano passado, um grupo de estudantes de jornalismo posou de lingerie para um calendário do aniversário de 58 anos do ex-espião da KGB que se tornou homem-forte do Kremlin.



No último dia 4 de agosto, no entanto, foi a vez das “Meninas de Medvedev” darem as caras e ficarem apenas de lingerie para promover a nova lei imposta pelo governo russo, contra a venda de cervejas em quiosques do país, que visa combater o alcoolismo.



Os dois movimentos surgiram nas redes sociais, mas pouco se sabe a respeito de quem organizou as duas campanhas publicitárias. O que é certo, no entanto, é que os grupos de mulheres de Putin e Medevedev são bons exemplos da pobreza atual do cenário político russo, em que campanhas de autopromoção e iniciativas sexistas e midiáticas ocupam o lugar que deveria servir para discutir projetos para o país.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Vaga na Copa-2014 coloca Sérvia e Croácia frente a frente

Rivais históricos e com passado recente de conflitos, Sérvia e Croácia vão duelar novamente. Mas desta vez será por vaga na Copa do Mundo de 2014. Elas caíram no mesmo grupo das Eliminatórias europeias para o Mundial, que acontecerá no Brasil.


As duas ex-repúblicas iugoslavas estão no grupo A, que conta ainda com Bélgica, Escócia, País e Gales e Macedônia – outra ex-república iugoslava, mas que deve ter papel de coadjuvante na disputa. Na eliminatória europeia, as seleções jogam todas contra todas dentro do grupo, com a campeã garantindo vaga direta na Copa. Os oito melhores segundos colocados entre os nove grupos do Velho Continente formarão quatro duelos, no qual o vencedor de cada um se classifica para o Mundial. Sérvia e Croácia são apontadas como favoritas na chave.

O sorteio da zona europeia foi feito de forma a evitar confrontos entre outras seleções com passado recente de guerras, como Rússia x Geórgia (2008) e Armênia x Azerbaijão (tecnicamente em guerra desde 1992). Cada uma delas ficou em uma chave diferente.

Para a Fifa, pelo jeito, as diferenças entre sérvios e croatas foram resolvidas. De fato, as relações entre ambos estão em um patamar bem mais elevado que em anos anteriores. Mas os dois jogos que ocorrerão entre as duas seleções inspiram cuidados. Uma prova disso foi a confusão criada por um grupo de torcedores sérvios em 2010 na partida entre Sérvia e Itália, em Gênoa, válida pelas eliminatórias da Eurocopa 2012. A Croácia, por outro lado, também é temida nas arquibancadas por seus “hooligans” – que foram motivo de preocupação nas três Copas em disputadas pelo time nacional (1998, 2002 e 2006).

A própria Uefa, entidade que organiza o futebol na Europa, por exemplo, cobrou dos presidentes dos dois países a adoção de medidas para coibir a violência nos estádios. E ameaça aplicar punições pesadas se o pedido não for devidamente atendido.

E nunca é demais lembrar também de um episódio que entrou para a história como uma das “guerras” do futebol: a batalha campal ocorrida em Belgrado entre as torcidas do Estrela Vermelha (sérvios) e Dínamo de Zagreb (croatas) em 1990, quando ambos ainda faziam parte da Iugoslávia. A pancadaria em campo foi considerada uma das prévias do que viria a acontecer na região nos anos seguintes.

Veja aqui como ficaram os grupos na Europa para as Eliminatórias da Copa-2014

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A prisão de Hadzic e a nova Sérvia

O governo da Sérvia anuncia a captura de Goran Hadzic, ex-líder dos sérvios na Croácia, declarado foragido pelo Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (TPII) desde 2004.

Hadzic foi presidente da República Sérvia de Krajina, território da Croácia povoado por sérvios que se declarou independente depois que os croatas proclamaram sua própria independência da antiga Iugoslávia, em 1991. Entre as principais acusações contra Hadzic estão o assassinato de croatas e a deportação de 20 mil pessoas após a ocupação da cidade de Vukovar – a "Srebrenica" dos croatas.

Para o governo croata, inclusive, a prisão de Hadzic representa a justiça sendo feita, ainda que tardia, e que também é boa para as relações entre os países e para a própria Sérvia. Já na própria Sérvia, como ocorreu com Ratko Mladic, a detenção de Hadzic não foi unanimidade. Alguns políticos acusam o governo de não ter o mesmo empenho na caça de acusados de cometer crimes de guerra contra a população sérvia, conforme relatos do site Balkan Insight.

Após a captura de Mladic, em maio deste ano, Hadzic era considerado o último dos criminosos de guerra ainda foragidos. Com a detenção, o ex-líder sérvio deve ser encaminhado para Haia (Holanda), sede do tribunal que julga os crimes cometidos durante os conflitos que assolaram a antiga Iugoslávia e fará companhia a Mladic e a Radovan Karadzic, preso desde 2008.

A captura de Hadzic deve render pontos preciosos à Sérvia, já que o empenho na captura dos acusados de crimes de guerra é um dos pré-requisitos cobrados do país para o ingresso na União Europeia (UE), grande desejo do atual governo. Há ainda outros desafios a serem vencidos nesse sentido, tanto econômicos como legais e sociais. Mas não deixa de ser um ponto positivo.

Colocada em um contexto mais amplo, a prisão de Hadzic representa também mais um passo dado pela Sérvia para expurgar a fama de “ovelha negra” da Europa adquirida no passado, em especial durante a era Milosevic. Outro fator que pode ser encarado como parte dessa nova imagem da Sérvia é a elevação do tenista Novak Djokovic como herói nacional, em vez dos controversos (para dizer o mínimo) chefes militares que ainda são cultuados por parte da sociedade.

Atualizada às 12h30 de 20/07/2011

domingo, 10 de julho de 2011

Mais feridas abertas de Srebrenica

Hoje completam-se 16 anos do massacre em Srebrenica, na Bósnia. O país identificou recentemente os corpos de 613 pessoas mortas durante o episódio, que serão enterradas nesta segunda. Mas as dores não ficam restritas à região balcânica – Holanda que o diga.


O Estado holandês foi considerado responsável pela morte de três muçulmanos bósnios nas mãos do exército sérvio-bósnio comandado por Ratko Mladic em Srebrenica. Um batalhão holandês foi designado pela ONU para proteger a cidade, decretada como área de segurança pela entidade, mas falhou em impedir a limpeza étnica ocorrida em 11 de julho de 1995. Para o jornal “La Vanguardia”, essa condenação representa a primeira justiça feita para Srebrenica.

Outro aspecto dessa ferida aberta veio em entrevista do “El País” com o bósnio-muçulmano Hasan Nuhanovic, um dos que trabalharam pela condenação da Holanda pelas falhas na segurança de Srebrenica. Além de ter como trabalho manter viva a lembrança das vítimas e levar os culpados à Justiça, tem outros desafios. Um deles é de lutar também pela condenação do assassino da própria mãe, que trabalha próximo a ele. “Alguns vizinhos sérvios me contaram que viram o culpado cometendo o crime. Todo mundo o conhecia. Era o chefe de polícia sérvio do meu povoado. Hoje trabalha no mesmo edifício onde tenho meu escritório, em Sarajevo. Nos cruzamos diariamente e ninguém faz nada. Indaguei por minha conta, reconstruí os fatos e enviei os dados aos tribunais. Mas só me disseram que estão investigando. Estão assim desde 2006. “, disse Nuhanovic ao jornal espanhol.
As duas matérias mostram como, apesar de avanços obtidos para tentar cicatrizar as feridas abertas pelas guerras na década de 1990, o caminho para superar os traumas e mágoas históricas é longo e tortuoso, cheio de pedras prontas para tentar desanimar até mesmo os maiores entusiastas da paz.  

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Djokovic, novo herói nacional da Sérvia

"Eu não sei como agradecer Novak o suficiente por tudo o que ele tem feito pela Sérvia e pelo nosso povo. Eu não consigo descrever o que seu sucesso significa para nosso país. É um exemplo de como trabalho duro e disciplina são importantes para atingir metas". Foram com essas palavras que Boris Tadic, presidente da Sérvia, tentou descrever o que significam as conquistas de Novak Djokovic para o país. E o último final de semana foi categórico nesse sentido.


Também conhecido como Nole, seu apelido de infância, Djokovic se tornou o primeiro sérvio e o 25° tenista a assumir o topo do ranking mundial da ATP após se classificar para a final do Aberto de Wimbledon, um dos mais tradicionais da modalidade. A nova conquista foi coroada com outra, o título do torneio britânico, no último dia 3 de julho – partida que foi acompanhada por Tadic, o presidente sérvio.



Além de uma fase espetacular na carreira – venceu 48 dos últimos 49 jogos que disputou e ajudou a Sérvia a conquistar pela primeira vez a Copa Davis, o Mundial de seleções do tênis –, Djokovic ganha importância no país que transcende as fronteiras do esporte, colocando-o literalmente no patamar de novo herói nacional. Irreverente e lembrado pelas imitações que fazia de outros tenistas, também estrela campanhas publicitárias e pode ainda ter sua imagem estampada em cédulas de dinar (o dinheiro local). Mas um outro lado menos conhecido internacionalmente do esportista sérvio, mas de grande importância dentro da sociedade sérvia: sua ligação com o Kosovo.

A região que desde 2008 tenta ver sua declaração de independência reconhecida na comunidade internacional é a terra natal da família paterna de Djokovic, que se mudou para Belgrado em 1983, três anos antes do nascimento do tenista. Em várias entrevistas concedidas à TV sérvia, Novak fala sobre essa ligação pessoal com a antiga província e que “O Kosovo é parte da Sérvia”. No depoimento abaixo, de 2007, ele declara que o “Kosovo está em seu coração e no de todos os sérvios” e completa se dizendo esperançoso de ver um dia “a solução para esta difícil situação” (legendas em inglês):



Ainda na mesma entrevista, Djokovic dá outra declaração que coloca numa posição bem diferente dos nacionalistas tradicionais do país, ao dizer que "sérvios e croatas são o mesmo povo, mas que infelizmente foram separado por causa de desentendimentos políticos e guerras".

Se todos os heróis nacionais sérvios fossem como Djokovic, a ex-república iugoslava certamente estaria muito melhor, seja interna como externamente. Mas ascensão de “Nole” a esse patamar é uma mostra clara de como o país tenta mudar sua imagem frente à comunidade internacional, sem abandonar as convicções nacionais que dão unidade a um povo que durante toda sua história foi marcado pela divisão.

Crédito da foto: Wikimedia Commons

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Fifa e Uefa anulam punição imposta à Bósnia

A princípio a partida entre Bósnia e Romênia pelas eliminatórias da Eurocopa 2012 não tinha nada de muito especial. Mas para os bósnios, mesmo com a derrota fora de casa por 3 a 0, representa a volta por cima sobre um imbróglio que ameaçava o futuro do país no futebol internacional.


A Uefa e a Fifa, associações que organizam o futebol na Europa e no mundo, respectivamente, anularam a suspensão imposta à Federação Bósnia de Futebol (NSBIH), em 1º de abril. Com isso, tanto a seleção nacional quanto os clubes do país puderam voltar a disputar competições internacionais.

O problema estava no estatuto que rege a entidade. Ela, a exemplo do que acontece na divisão administrativa da Bósnia, tinha três presidentes ao mesmo tempo: um bosníaco (muçulmano), um sérvio e um croata. A Uefa ordenou que o estatuto fosse alterado, com apenas um dirigente máximo.

Como a exigência não foi atendida até 31 de março, no dia seguinte a associação foi punida com a suspensão da seleção local e dos clubes das competições internacionais. Em 26 de maio, a Associação bósnia anunciou a reformulação do seu estatuto, adequando-o às exigências da Fifa e da Uefa, que anularam a punição no último dia 31.

A decisão, contudo, não agradou aos representantes sérvios da entidade, que temem perda de autonomia com a nova estrutura.

A Federação Bósnia de Futebol foi formada depois da guerra entre 1992-95, que terminou com o país dividido em duas regiões etnicamente diferentes. Adeptos de futebol por toda a Bósnia protestavam contra a estrutura organizativa da entidade, e alguns jogadores chegavam a boicotar a equipe nacional.

A seleção da Bósnia ainda não participou de nenhum grande torneio continental ou global, mas já pode comemorar certos avanços. Nas Eliminatórias para a Copa-2010, chegou até à repescagem, perdendo a vaga para Portugal. No torneio qualificatório para a Euro-2012, até o momento, são cinco jogos com duas vitórias, um empate e duas derrotas, que valem o quinto lugar no grupo D. Mas está a apenas dois pontos de Belarus, a vice-líder da chave, uma mostra de que a equipe tem condições de se classificar pela primeira vez à fase final da competição.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Mladic já foi, mas Kosovo ainda separa Sérvia da UE

O governo sérvio e a comunidade internacional comemoraram a prisão do ex-general sérvio-bósnio Ratko Mladic. Para Belgrado significa, claro, o fim de umas barreiras a um futuro ingresso do país na União Europeia. Mas na verdade há outra – e das grandes – a ser transposta, denominada Kosovo.


A divisão da comunidade internacional a respeito do status da antiga província sérvia é grande. Em todo o mundo, 75 países já reconheceram o novo país, incluindo a maioria dos membros da UE. Mas mesmo nos Bálcãs não existe um consenso sobre a questão kosovar, deixando a questão ainda mais espinhosa. Para ficar apenas na região, Albânia, Croácia, Montenegro e Eslovênia já deram aval ao novo país; Sérvia, Grécia, Bósnia, Romênia são contra.

O caminho da Sérvia para a UE, como pode-se perceber, ainda não está tão pavimentado como o governo tentava mostrar após a prisão de Mladic. A questão envolvendo o ex-general sérvio-bósnio ainda também está longe de ser resolvida no próprio país, onde setores nacionalistas o consideram um herói e organizam protestos desde a prisão do ex-militar. Em um deles, promovido pelo Partido Radical Sérvio e que reuniu cerca de 10 mil pessoas em Belgrado, 180 manifestantes foram detidos. Podem ser minoria dentro da sociedade sérvia, mas tais manifestações mostram que tais grupos ainda conservam voz ativa no pais.

Ao mesmo tempo, outros países dos Bálcãs também tentam garantir seu lugar no bloco europeu, como a Croácia. Há quem diga que o avanço das negociações do país vizinho para aderir à UE teria levado a Sérvia a fazer um esforço extra para se mostrar apta ao ingresso na entidade. O pedido de desculpas da RTS pelo apoio ao ex-presidente Milosevic e a própria prisão de Mladic fariam parte desse pacote pró-UE – que, pelo menos até o momento, não inclui discutir o status do Kosovo.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ratko Mladic é preso

O general sérvio-bósnio Ratko Mladic, criminoso de guerra mais procurado da Europa, é preso no vilarejo de Lazarevo, na província de Vojvodina, norte da Sérvia. O anúncio da prisão foi feito pelo presidente do país, Boris Tadic.


Considerado foragido desde 1995, o militar – que alguns pensavam já ter morrido – é apontado como um dos responsáveis pelo assassinado de mais de 8.000 bósnios muçulmanos na cidade de Srebrenica, entre outros crimes de guerra durante o conflito na Bósnia (1992- 1995). Mladic era comandante do Exército de Radovan Karadzic, ex-presidente da República Sérvia da Bósnia (a chamada República Srpska) e também apontado como responsável pelo massacre. Este último foi capturado em julho de 2008 em um bar de Belgrado.



O general será encaminhado para Haia (Holanda), sede do Tribunal Penal Internacional (TPI), onde responderá pelos crimes. Em 2010, uma recompensa de 10 milhões de euros chegou a ser oferecida para quem fornecesse pistas do seu paradeiro. O destino dessa quantia agora é incerto, já que a prisão partiu de uma denúncia anônima.

"Presenteamos a Srebrenica sérvia ao povo sérvio. Chegou o momento de vingar os 'turcos' (nome depreciativo para os muçulmanos bósnios)", disse Mladic em palavras registradas então pelos repórteres de rádio e televisão antes do massacre na pequena cidade bósnia.

A prisão de Mladic é histórica, já que o massacre de Srebrenica é o pior genocídio ocorrido em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Também é comemorada pelo governo, que vê com a prisão de Mladic uma barreira a menos no caminho da Sérvia para entrar na UE. Em pronunciamento, o presidente sérvio Boris Tadic diz que a captura “fecha um capítulo da história recente do país”.

A busca por Mladic acabou, mas o acerto de contas da Sérvia e das demais ex-repúblicas iugoslavas com os acontecimentos das guerras que assolaram a região na década de 1990 ainda está longe de terminar. O mais novo capturado vai se juntar a Karadzic e a dezenas de acusados de atrocidades durante os conflitos que já estão no banco dos réus do TPI.

Mas, a exemplo de outros personagens das guerras nos Bálcãs, desperta sentimentos de amor e ódio. Ao mesmo tempo que é considerado o mal encarnado por croatas e bósnios, é tido como herói pelos ultranacionalistas sérvios – que ainda têm voz ativa no cenário político e na sociedade do país. As reações mais hostis à captura são esperadas do meio militar, sobre o qual pairam suspeitas de ter ajudado Mladic a ficar foragido nos últimos 16 anos.

Ou seja, a novela da captura de Ratko Mladic pode ter chegado ao fim, mas outras estão prestes a começar. E cada capítulo será acompanhado de perto pelas sociedades das ex-repúblicas iugoslavas.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

TV sérvia pede desculpas por apoio a Milosevic

Em uma iniciativa inusitada e sem precedentes, a emissora RTS (Rádio e Televisão Sérvia) pediu desculpas aos cidadãos sérvios e de nações vizinhas por “insultos, difamação, e incitação ao ódio” em seus programas enquanto o ditador Slobodan Milosevic esteve no poder, entre 1989 e 2000.


                                                                                                               
A RTS, que foi considerada um dos pilares do antigo regime e sua maior porta-voz, é a primeira emissora a fazer tal retratação junto à sociedade sérvia. O canal, que deixou de ser estatal em 1996 para virar emissora pública, era tão identificado com Milosevic que teve sua sede na capital, Belgrado, depredada e incendiada em meio aos protestos que levaram à queda do regime, em outubro de 2000. Um ano antes, o mesmo local foi bombardeado pela Otan – 16 funcionários morreram no ataque.

Zarko Trebjesanin, um dos atuais integrantes do Conselho de Administração da RTS, admite que a emissora poderia ter feito o pedido de desculpas antes, mas reforça que "nunca é tarde demais".


Prédio da RTS, em Belgrado
Crédito: Balkan Insight

Avanços à parte, o que poderia estar por trás desse mea culpa, onze anos após o fim da era Milosevic? Melhora da reputação junto à sociedade? O desejo da Sérvia de entrar na União Europeia (UE) ? Na verdade, ambas podem ser consideradas.

O comunicado da RTS deixa claro a atual diretriz editorial da emissora, de defesa dos princípios do Estado de Direito, justiça social, democracia, direitos humanos e das minorias, além do "compromisso com os princípios e valores europeus". Essa orientação – existente pelo menos na teoria – pode muito bem ser entendida com mais um dos esforços sérvios para tentar se redimir da má fama adquirida na era Milosevic e na busca por uma vaga na UE. Até agora, a Eslovênia é a única das ex-repúblicas iugoslavas a integrar o bloco.

Esse novo perfil da RTS, claro, é atacado pela oposição nacionalista (que inclui antigos aliados de Milosevic), contrária à adesão do país à EU e que acusa o canal de fomentar uma permanente campanha pró-governamental e de ser a "correia de transmissão" dos dirigentes pró-ocidentais de Belgrado, empenhados numa rápida aproximação à União Europeia (UE). A direção da RTS nega as acusações.

O fato mostra que, independente da forma de governo, a RTS continua uma peça importante no xadrez político sérvio, mas também sujeita aos solavancos que envolvem a disputa pelo poder. E, quando se trata  da Sérvia, eles são frequentes.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Filme de Angelina Jolie sobre a Bósnia sai em dezembro

Ainda sobre o tema Bósnia e formas de retratar a história recente do país, uma delas será lançada em dezembro, nos EUA. Trata-se do filme “The Land of Blood and Honey”, o primeiro de Angelina Jolie como diretora.

A produção tem uma boa dose de polêmica, devido ao tema escolhido: a história de amor entre uma muçulmana bósnia e um militar sérvio ambientada na guerra que assolou o país entre 1992 e 1995. Boatos de que a protagonista seria estuprada e se apaixonaria pelo autor do ato foram motivo de escândalo e protestos na região. Nem todas as regiões da Bósnia que serviriam de locação para as filmagens concederam a licença necessária para os trabalhos –– a maior parte do longa foi rodada na Hungria.

The Land of Blood and Honey” certamente receberá grande atenção da imprensa devido aos seus dois maiores atrativos – ser a estreia de Jolie atrás das câmeras e pelo tema espinhoso. Mas a forma como ele será recebido nas ex-repúblicas iugoslavas – em especial Bósnia, Croácia e Sérvia – ainda é uma incógnita que deve ficar sem resposta por enquanto. Ou então pelo menos até a divulgação dos primeiros trailers ou de alguma cena que caia na internet por causa de algum vazamento.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Histórias que a guerra não é capaz de destruir

Os livros em quadrinhos de Joe Sacco são ótimos para quem quer começar a entender os Bálcãs e, mais precisamente, a Bósnia. Mas há também ótimas publicações em formato convencional que dão conta da difícil tarefa de falar de uma região tão complexa. E o livro "Da Rosa ao Pó – Histórias da Bósnia Pós-genocídio", do jornalista Gustavo Silva, certamente está entre elas.


Com uma inusitada apresentação de Marcelo Adnet – já comentada no post anterior deste blog –, a obra é o resultado da viagem feita pelo autor em 2009 para conhecer, com os próprios olhos, o país que foi palco do maior genocídio em solo europeu após a Segunda Guerra Mundial, o massacre de Srebrenica (11 de julho de 1995).



O embrião do livro, como o autor explica logo nas primeiras páginas, foi a prisão de Radovan Karadzic, ex-presidente da república sérvia da Bósnia e um dos responsáveis pelo banho de sangue em Srebrenica, em 21 de julho de 2008. Mas o foco central da obra é a Marcha da Paz, realizada anualmente em memória às vítimas do episódio, e da qual o autor tomou conhecimento apenas quando já estava na antiga república iugoslava. Dessa mistura de sorte com senso de oportunidade saiu o grande diferencial do livro – Gustavo foi, segundo os organizadores do evento, o primeiro brasileiro a participar da marcha.

Por meio dos depoimentos presentes no livro é possível ter uma ideia da situação atual do país, das marcas deixadas pela guerra que se seguiu à declaração de independência da Bósnia (1992-1995) e em especial pelo massacre que tirou a vida de cerca de 8 mil pessoas.

Pelo caminho descrito por Gustavo Silva percebe-se a forte presença tanto da rosa (vida, belezas naturais, sobreviventes da guerra, entre outros aspectos) como do pó (marcas de tiros nas construções, alertas sobre minas de guerra, relatos de intolerância étnica), justificando assim o nome da publicação.

O lado didático do livro fica por conta dos boxes que trazem explicações sobre curiosidades da Bósnia, como a pronúncia do idioma, da culinária e de aspectos históricos do país. Outra característica interessante são os trechos de canções da The Rolling Stones, uma das preferidas de Gustavo Silva, no começo de cada capítulo. A obra se encarrega de mostrar o porquê de serem citadas.

A experiência do então estudante de jornalismo da PUC-SP na Bósnia passou de Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em 2009, para o livro que agora chega às livrarias brasileiras pela editora Tinta Negra. Uma publicação que consegue, mesmo abordando um tema pesado, trazer histórias que levam o leitor a refletir sobre como tal carnificina foi possível. Mas também demonstra que nem mesmo a guerra foi capaz de abafar a gentileza, onde as pequenas alegrias brotam lado a lado com as lembranças do terror – e que certamente ajudam a suportá-las.

Para quem deseja saber um pouco mais sobre o autor pode ler a entrevista que ele concedeu a este blog em julho do ano passado, às vésperas do aniversário de 15 anos do massacre de Srebrenica.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Marcelo Adnet e o leste europeu

Ele é mais conhecido pelas comédias stand-up ou pelo trabalho na MTV, junto aos programas "Comédia MTV" e "15 Minutos". Mas eis que um livro ajudou a mostrar um lado menos divulgado do apresentador.

Adnet, que é jornalista de formação é o autor do texto de apresentação do livro " Da Rosa ao Pó - Histórias da Bósnia Pós-Genocídio", escrito por Gustavo Silva. Eu já tinha lido a obra quando ela era ainda um Trabalho de Conclusão do curso de Jornalismo da PUC-SP, apresentado em 2009, mas confesso que torci o nariz quando soube da apresentação. Ao ler o texto, no entanto, uma surpresa das mais gratas. O humorista e jornalista tem um ótimo entendimento sobre ao assunto, e seu relato serve como uma boa introdução para o livro - que ele diz ser o tipo de trabalho que ele não conseguiu fazer sobre a região.

O próprio Adnet explica, durante a apresentação, a origem da curiosidade especial que tem sobre temas relacionados ao leste europeu - ele estudou russo por conta própria quando era adolescente, por exemplo.  A região já foi abordada por ele em algumas edições do "Comédia MTV" e do "15 Minutos" - uma delas pode ser vista no vídeo abaixo, dedicada à Bósnia.


O texto dá uma boa ideia do que esperar nas páginas seguintes, com direito a votos de "Sretan Put" - algo como "boa viagem", em sérvio. Um país cujas feridas deixadas pela guerra ainda custam a cicatrizar, mas é detentor de uma diversidade cultural sem igual no mundo. Um país que é capaz de fazer chorar pelas tragédias e intolerância motivada por certos nacionalistas, mas que ainda assim reúne atributos capazes de encantar quem o visita.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Chernobyl faz 25 anos e Leste europeu ainda aposta em energia nuclear

O dia 26 de abril de 1986 entrou para a história como a data do pior acidente nuclear já ocorrido, na antiga usina de Chernobyl (ou Tchernobil, como queira), na ex-União Soviética, atualmente em território ucraniano. Os fantasmas relacionados aos 25 anos do fato, porém, foram despertados mais cedo devido ao vazamento na central de Fukushima, ocorrido após o terremoto e tsunami de 11 de março no Japão.


O episódio trouxe de volta à pauta internacional o debate sobre os prós e contras do emprego da energia atômica. Mas, ao mesmo tempo em que as manifestações contrárias às usinas atômicas ganham força, o movimento inverso também ocorre.


                                          Crédito: Wikimedia Commons


O epicentro da discussão está na Europa, continente que concentra o maior número de usinas em operação. Países como Alemanha e Áustria, nos quais há um forte apelo contra a energia atômica, pedem a revisão das instalações nucleares. A Áustria, inclusive, país-sede da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), pediu o fechamento de usinas na Eslováquia e na Eslovênia, afirmando que as condições das centrais eram inadequadas. A pressão da UE já levou a Lituânia a fechar Ignalina, a única usina do país e que já chegou a responder por 80% da energia consumida na ex-república soviética.

O exemplo lituano, no entanto, é raro. E a tendência dos governantes nos países do leste europeu é de aumento nos investimentos em energia nuclear, mesmo com o acidente em Fukushima. A começar pela própria Ucrânia que, além de transformar as ruínas de Chernobyl em atração turística, conta com quatro usinas em operação e pretende triplicar o número até 2030. A Rússia, com dez centrais ativas, quer chegar a 26 em 2030. Eslovênia e Eslováquia não dão ouvidos às críticas da Áustria, insistem que suas centrais nucleares são seguras e também apostam na expansão do modelo, a exemplo de Hungria, Romênia, Bulgária...E outras nações ainda de fora do clube atômico, como Belarus, Polônia e Turquia, devem ingresar nele nos próximos meses.

Mas o invenstimento em alta em torno da energia nuclear no leste europeu não basta para esconder seus “efeitos colaterais” no caso de alguma falha. Apesar da abertura para o turismo, os arredores de Chernobyl seguem condenados a um futuro praticamente estéril e o destino dos restos do reator destruído continua indefinido, como lembra post anterior deste blog.

A cidade fantasma de Pripyat, vizinha à Chernobyl é um bom exemplo do que pode acontecer no caso de um vazamento nuclear como o ocorrido na velha central ucraniana.

Entre a aposta de que a energia nuclear é limpa e viável e os temores de ambientalistas a respeito do tema, fato é que o átomo continuará a ser objeto de intenso debate nas próximas décadas - especialmente com o esgotamento já previsto de outras matrizes energéticas, como o petróleo. A grande certeza é que a humanidade ainda está muito longe de "domesticar" a energia nuclear, seja na garantia total de segurança no manejo do material radioativo, seja no que fazer com seus dejetos, seja na forma com a qual os governos de todo mundo tratam do tema com a sociedade.

domingo, 24 de abril de 2011

Tchernobil, Chernobyl, Chernobil... Como escrever?

A recente crise nuclear no Japão tem despertado apreensão na comunidade internacional devido ao medo dela adquirir proporções semelhantes (ou piores) do que as do acidente ocorrido em Tchernobil, em 1986, que completa amanhã 25 anos. Ou seria Chernobyl? E que tal Chernobil ou Tchernobyl? Em suma, existe uma discussão à parte sobre a forma correta de escrita do nome da antiga central ucraniana.




A forma consagrada e mais adotada pela imprensa internacional (até o momento) é Chernobyl, mas outros veículos já usam Tchernobil, Chernobil, Tchernobyl... Enquanto isso, internautas despejam comentários na rede criticando esta ou aquela forma de escrita, chamando os redatores de analfabetos para baixo. Mas enfim, qual a resposta certa?

Não existem regras claras para a transcrição de nomes em idioma eslavo para o português. A pronúncia também não é unanimidade, com a letra “o” sendo pronunciada ora de forma fechada, ora aberta. Na verdade, apesar de consagrada internacionalmente como “Chernobyl” (forma mais usada no Brasil, inclusive,) certos veículos já vem adotando a grafia Tchernobil, seguindo o mesmo padrão já aplicado no nosso idioma para termos como “Tchetchênia” ou “tcheco”. Mas cada veículo se baseia em um determinado padrão para a grafia deste ou daquele nome estrangeiro, ora baseando-se pelo mais usado internacionalmente, ora nos fonemas.

Agora, se de acordo com os fonemas o mais certo seria escrever “Tchernobil”, é complicado dizer que Chernobyl, forma mais usada até agora, seja errada (opinião deste blogueiro). Entre a forma consagrada e critérios fonéticos, pelo jeito unanimidade mesmo somente quando à forma de escrita na língua pátria, o ucraniano: Чорнобиль.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Condenação de militar divide a Croácia

O Tribunal das Nações Unidas para a Antiga Iugoslávia, em Haia, condenou o general croata Ante Gotovina a 24 anos de prisão por crimes de guerra cometidos contra sérvios em 1995, no final da Guerra da Croácia. Outros dois ex-generais croatas foram julgados. Ivan Cermak foi absolvido e Mladen Markac pegou 18 anos de prisão.


Mas a sentença – que foi acompanhada ao vivo por todos os países da antiga Iugoslávia – não foi bem recebida pela maior parte da sociedade croata, que considera Gotovina um herói nacional.


Crédito: Wikimedia Commons

O general comandou a ofensiva militar "Operação Tempestade", que tentou reconquistar a região de Krajina, ao sul da Croácia, última zona de resistência controlada pelos sérvios na Croácia em 1995. A ofensiva é considerada um marco na independência do país e a condenação é encarada por parte da sociedade como um rebaixamento histórico da ação.

A maior parte da sociedade croata, que não acredita que ocorreram crimes de guerra na operação de Krajina, reagiu mal à condenação de Gotovina. Uma pesquisa de opinião apontava que 60% da população apostava na absolvição do general. Nas semanas anteriores ao veredicto de Haia, políticos e bispos católicos acusavam a Corte internacional de ter motivação política nos inquéritos. A TV estatal também tratava o assunto de forma parcial e foi a única dentre as ex-repúblicas iugoslavas a não transmitir o julgamento ao vivo.

Já ativistas de direitos humanos no país enxergam na condenação de Gotovina um precedente importante para fazer a Croácia refletir sobre o próprio passado e, assim, conseguir superá-lo.

A relação de Gotovina com o imaginário e o sentimento nacional croata é semelhante a que ocorre com outros generais condenados ou processados em Haia por crimes durante as guerras na Iugoslávia. As condenações, na verdade, são parte de um longo e doloroso processo de amadurecimento das ex-repúblicas iugoslavas, cujas sociedades ainda são marcadas pelos conflitos na década de 1990 e têm dificuldade em admitir e aprender com os erros cometidos no período – e que ainda estão presentes.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A Bósnia vista por Joe Sacco

Como começar a entender um país complexo como a Bósnia, dividido em duas federações mas habitado por três povos com uma série de problemas e feridas a serem cicatrizadas por guerras? Dois livros escritos pelo jornalista maltês-americano Joe Sacco – “Uma história de Sarajevo” e “Área de Segurança – Goradze” – são um bom pontapé inicial. Ambos são publicados no Brasil pela editora Conrad.


Acostumado a cobrir guerras e traduzir o que viu e ouviu por meio de histórias em quadrinhos, Sacco apresenta relatos que conseguem transportar o leitor para um universo que mistura o caos da guerra e sentimentos contraditórios, como a esperança de paz, o ceticismo e a incerteza provocados pela guerra que assolou o jovem país entre 1992 e 1995 e sua situação nos anos seguintes ao sangrento conflito.

A guerra em si é retratada por meio das entrevistas e histórias presentes em “Área de Segurança – Goradze”, sobre uma área habitada por muçulmanos que viveram durante toda a Guerra da Bósnia sob o risco de serem dizimados por forças sérvias. Em teoria, a cidade deveria ser um local seguro – afinal, era uma área de segurança instituída pela ONU. Mas na prática ficou praticamente entregue à própria sorte, se virando com os poucos recursos disponíveis. A partir dos relatos de habitantes de Goradze, Joe Sacco apresenta ao leitor aquela que foi a maior carnificina em solo europeu após a Segunda Guerra Mundial – e mais um exemplo global da inação das potências que teoricamente detêm algum influência sobre o mundo.
 
 


Já “Uma História de Sarajevo”, que retrata a Bósnia do pós-guerra, tem uma estrutura diferente do livro anterior, já que é focado em apenas um personagem, o sérvio-bósnio Neven. Ele é um ex-franco-atirador que serviu como guia de jornalistas durante a guerra da Bósnia e fica perdido, endividado e à beira da loucura após o fim do conflito. Apesar de contraditório e oportunista e desagradável às vezes, Joe Sacco pede ao leitor que “se coloque no lugar de Neven”.



As histórias contadas nas duas obras também fornecem dados importantes sobre a guerra da Bósnia, que são facilmente assimilados pela forma como são colocados. Claro, há que discorde e certamente existem livros bem mais completos. Mas para quem ainda está tentando entender como funciona essa complexa região que é a penísula Balcânica, os dois relatos de Sacco sobre a Bósnia são ótimos.


Em tempo: Joe Sacco é um dos convidados para a edição 2011 da Flip. Ou seja, uma ótima oportunidade de conhecer um pouco mais do trabalho do jornalista, que também é autor dos livros (também em quadrinhos) “Notas sobre Gaza”, “Palestina, uma Nação Ocupada”, entre outros.