domingo, 26 de dezembro de 2010

Belarus e o "último ditador da Europa"

A ex-república soviética de Belarus (também conhecida como Bielorrússia) conserva o que alguns costumam chamar de “último ditador da Europa”. Trata-se de Alexander Lukashenko, 56, que governa o país há 16 anos com mão de ferro.

Recém eleito para o quarto mandato consecutivo, em um pleito sob o qual pairam suspeitas de fraudes, ele procura se apresentar como um homem do povo. Mas não se acanha em usar forças de segurança do Estado para perseguir oponentes políticos, censurar a imprensa, violar Direitos Humanos, entre outras atitudes despóticas.



Mas, em nome da estabilidade em Belarus – algo pouco comum em antigas repúblicas soviéticas – Lukashenko tem seus desmandos tolerados pela União Europeia (UE). Até mesmo a Rússia, grande aliada do atual regime, se vê obrigada a tolerar certos caprichos. Um deles, relatado pela revista alemã Der Spiegel, foi o cancelamento de um encontro com o presidente Dmitri Medvedev porque Kolya, filho mais novo de Lukashenko, estava doente.

A exemplo de outras ex-repúblicas soviéticas, Belarus é dependente economicamente da Rússia, em especial no setor de energia. Moscou já teria investido o equivalente a US$ 100 milhões no país desde o colapso soviético.



Por causa de seus desmandos, Lukashenko foi temporariamente proibido de entrar na EU. Já o líder bielorrusso prefere dizer que a Europa “o abandonou”. Entre outras reclamações, diz que a internet está “cheia de sites hostis ao país” e acusa o Ocidente de “tentar transformar suas mulheres em prostitutas”, “fornecer drogas ilícitas aos cidadãos” e “espalhar a perversão homossexual” na nação.

Com essa desculpa, Lukashenko mantém uma relação bastante próxima com a Coreia do Norte, com direito a felicitações pelo aniversário do lunático ditador Kim Jong Il. Outro parceiro controverso do regime de Minsk é a Venezuela, governada por Hugo Chávez.

Mas, como já dito acima, é Lukashenko é tolerado por Rússia e UE por ser visto como um sinal de estabilidade para Belarus. Ou seja, mais uma vez, parte considerável da comunidade internacional, em nome de um controle ilusório sobre o bielorrusso, cai no mesmo erro já cometido em relação a outros personagens no decorrer da história – como o ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic e outros ditadores que espalharam sangue pela América Latina, África e Ásia, em especial na época da Guerra Fria.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Kosovo, um nó difícil de desatar

Não adianta tentar identificar mocinhos e bandidos nessa história toda. Dentre os poderosos de Sérvia e Kosovo, bem como de outros países da região dos Bálcãs, é difícil encontrar alguém que não tem ou teve algum tipo de ligação com alguma atividade ilegal – crimes de guerra, corrupção, tráfico de armas, órgãos, etc.


É nesse contexto histórico-político que se encaixa a denúncia que atinge Hashim Thaçi, primeiro-ministro do Kosovo. Ex-guerrilheiro do Exército de Liberação de Kosovo (ELK), que liderou uma insurgência contra a Sérvia (1998-1999), o atual premiê é apontado como comandante de uma organização criminosa albanesa chamada Drenica, que trafica armas, drogas e órgãos humanos na Europa oriental.

A conclusão é de um relatório elaborado pelo Conselho da Europa, que também acusa o suposto grupo de Thaçi de ser responsável por “assassinatos, detenções, espancamentos e interrogatórios”, além de sequestro de sérvios, cujos órgãos depois eram vendidos no mercado negro. O relatório destaca que a comunidade internacional deplorou as atitudes de Belgrado, mas teria se omitido a respeito dos crimes do ELK.

O governo kosovar acusa a Sérvia de estar por trás das acusações contra Thaçi. No entanto, o relatório do Conselho da Europa partiu de denúncias feitas em 2008 pela ex-promotora do Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia, Carla del Ponte, e aprofundadas em reportagens de Michael Montgomery e Altin Raxhimi, do Centro de Jornalismo Investigativo (EUA) e da Rede de Jornalismo Investigativo dos Bálcãs – ou seja, estão dotadas de forte base.

Para Belgrado, as acusações contra a cúpula do governo de Kosovo constituem mais um argumento contra a declaração de independência da antiga província. Para Pristina, o relatório é visto como uma forma de tentar deslegitimar o jovem Estado.

Desde a independência, o Kosovo se debate para consolidar a emancipação frente à Sérvia, mas as dificuldades são evidentes. A infraestrutura e a economia são frágies, e o desemprego atinge de 40% a 50% da população, deixando um terreno fértil para o desenvolvimento de uma economia informal, dominada pelo contrabando e pelo crime organizado. Para alguns analistas, o Kosovo é um Estado dominado por quadrilhas de traficantes – drogas, armas, órgãos –, com envolvimento direto ou indireto das autoridades atualmente no poder.

O que existe no Kosovo pode ser observado em menor escala em praticamente toda a região que estava do lado oriental da então “Cortina de Ferro”. O colapso do modelo econômico inspirado na União Soviética e a passagem para o regime capitalista da noite para o dia deixaram um terreno fértil para o desenvolvimento da corrupção e o crime organizado, que já haviam florescido nos anos derradeiros do regime “socialista” (se é que realmente tenha existido de fato um regime assim nesses países).

O nó representado pelo Kosovo, cada vez mais apertado pelo contexto econômico e pelos elementos nacionalistas mostra-se cada vez mais difícil de ser desatado. A independência kosovar é um fato consumado, com ou sem aprovação sérvia e de parte da comunidade internacional. Mas o maior erro que esta pode cometer em relação ao Kosovo é fazer vista grossa à situação do país e deixar o novo Estado à própria sorte, dando continuidade à postura de omissão que assumiu na maioria dos casos perante aos Bálcãs. O relatório do Conselho da Europa é um grande passo para expor a gravidade da situação, mas simplesmente apontar o dedo não basta. É preciso punir os criminosos e dotar o Kosovo do que for necessário para o país se desenvolver, sem a “ajuda” de organizações criminosas.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Croata vai treinar o Estrela Vermelha, da Sérvia

“Este clube fez muito por mim e eu quero fazer algo em troca”

Este é Robert Prosinecki, 41, ex-meio-campista que disputou Copas do Mundo pelas seleções da Iugoslávia e Croácia, e que entra para a história ao ser o primeiro croata a dirigir um time sérvio, o Estrela Vermelha, no qual atuou entre 1987 e 1991.

A contratação de Prosinecki é uma atitude pragmática e ousada.

Pragmática por representa uma forma de tentar reverter o mau momento do clube. Além de atravessar uma grave crise econômica, está cinco pontos atrás do arquirrival Partizan, líder do Campeonato Sérvio, e não consegue se achar na atual temporada. Prosinecki é o quarto técnico a passar pelo clube neste ano – situação comum em times brasileiros, mas não nos europeus.

Ousada porque a torcida do time transpira nacionalismo e não deve estar engolindo com facilidade o fato de o novo treinador ser croata. Ser um dos ídolos históricos do clube pode servir de contrapeso à origem, mas de pouco valerá o passado glorioso se os resultados não vierem logo.

"O Estrela Vermelha é um nome, um clube com grande reputação no mundo. Agora é um gigante adormecido que tem que despertar", declarou Prosinecki ao jornal sérvio "Sportski Zurnal".

Em nome de dias melhores, o clube espera que Prosinecki consiga retribuir a projeção que recebeu no começo da carreira – após o Estrela Vermelha, o meia jogou em grandes clubes da Europa, como Real Madrid e Barcelona.

E, claro, será no mínimo curioso se o Estrela Vermelha voltar a ter sucesso dentro e fora da sérvia sob o comando de um... croata.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Rússia, 2018

Primeira Copa no leste europeu, projetos ambiciosos, dinheiro (muito), lobby. Com esses argumentos e elementos persuasivos, a Rússia foi eleita pela Fifa a sede da Copa do Mundo de 2018, vencendo a candidatura individual da Inglaterra e as coletivas de Espanha/Portugal e Holanda/Bélgica. Para 2022, o torneio será disputado no Qatar, mas aqui nos ateremos aos russos.


Protestos das demais candidaturas à parte, a vitória da Rússia na escolha para sede em 2018 representa um importante retorno para o alto investimento que o futebol do país vem recebendo nos últimos anos, com os clubes russos conquistando espaço no cenário europeu e também tornando-se destino de jogadores de alto nível técnico. Serve também como um impulso a mais para desenvolver o esporte por lá.



Mas, conforme já foi falado neste blog, o investimento sobre o futebol e outros esportes é, sobretudo, uma questão de Estado na Rússia. E também uma vitória do premiê e ex-presidente russo Vladimir Putin, um dos entusiastas da Copa no país e que deve usar o fato como um dos trunfos para voltar ao poder, em 2012.

Tecnicamente, a candidatura russa era a mais fraca das quatro finalistas, mas um dia antes do anúncio a escolha pela Rússia já era dada como certa pelo país. Protestos das postulantes perdedoras não faltaram, especialmente da Inglaterra – que ficou em último entre as quatro possíveis sedes. O próprio pleito para a escolha da sede já estava com a credibilidade comprometida, com negociações de favorecimento e acusações de lobby brotando aos montes. Denúncias de corrupção no seio da Fifa contribuíram para engrossar o caldo de desconfiança por trás do pleito.


As escolhas, claro, tiveram alto teor político. Das candidatas a sedes do Mundial, a Rússia é a que menos sofre com os efeitos da crise econômica que assola a Europa – em especial Espanha e Portugal, dentre as postulantes. Também segue a lógica atual da Fifa de promover rodízio entre os continentes na escolha das sedes (África do Sul em 2010, Brasil em 2014, Qatar em 2022), privilegiando países emergentes. Também interessa a Fifa ganhar apoio em mercados emergentes, dotados de dinheiro e que podem contrabalançar a falta de respaldo vinda de locais com mais tradição no futebol. A Rússia se encaixa perfeitamente nesse contexto.

Dinheiro não deve ser problema para os russos – que preveem gastar pelo menos US$ 20 bilhões para deixar o país pronto para receber a Copa. Além dos recursos arrecadados com petróleo e gás Entre os avalizadores da Copa russa está o magnata Roman Abramovitch, dono do Chelsea – cujo nome costuma aparecer associado a denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro – , dotado de uma fortuna estimada em US$ 11,2 bilhões.

Enquanto alguns poucos homens ostentam bilhões em fortuna, a realidade na sociedade russa é bem diferente. Apesar do forte crescimento econômico nos últimos anos, a desigualdade social no país é evidente. O custo de vida – especialmente na capital, Moscou – é dos mais altos do mundo. Apesar de ter uma renda per capita de US$ 9.050 (2007), cerca de 24 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza no país. Há sempre a chance que megaeventos como a Copa do Mundo possam deixar como herança muito mais do que estádios de futebol supermodernos, como melhorias na infraestrutura, mais emprego e desenvolvimento econômico e, consequentemente, melhor qualidade de vida à população. No entanto, com poucas exceções, o que ocorre atualmente é justamente o contrário.