sábado, 28 de fevereiro de 2009

A longa - e ainda inacabada - história da independência do Kosovo



Em 17 de fevereiro de 2009 o Kosovo completou um ano da sua declaração de independência. A decisão saiu após decisão unânime da Assembleia local.

O novo status da antiga província de maioria albanesa - que pertencia à Sérvia – ainda não tem pleno reconhecimento da comunidade internacional. Apenas 52 países já reconheceram o antigo território como Estado independente. Entre eles, grandes potências como EUA, França, Alemanha, Itália e Reino Unido. A grande maioria dos países, entre eles o Brasil, aguarda o reconhecimento por parte da ONU para também seguirem o mesmo caminho.

Já outros, como Espanha, Rússia e China, se juntam à Sérvia na negação completa de reconhecer o novo Estado. Em comum, essas nações enfrentam em seu território movimentos separatistas, e creem que reconhecer a independência kosovar pode abrir um precedente perigoso que os estimule. Na verdade, há muito mais em jogo - aspectos econômicos, políticos, históricos e também elementos subjetivos ligados à nacionalidade e identidade dos povos da região.


Histórico

As matérias que saem na grande mídia seguem ignorando fatores importantes relacionados à independência do Kosovo. O principal deles é entender de onde vem a fixação sérvia pela região, que possui raízes histórias profundas. Para comparar, em 2006 Montenegro se separou da Sérvia em plebiscito, acabando de vez com o que restava da antiga Iugoslávia, e a resistência apresentada pelos sérvios foi muito menor.

A explicação está na Batalha de Kosovo-Polje, em 28 de julho de 1389 (não confundir com a Guerra do Kosovo, ocorrida em 1999). Nela, o então império sérvio foi derrotado na região do Kosovo por outro império em franca expansão na época, o Otomano. Seguiram-se então quase cinco séculos até a retomada da independência sérvia, em 1875. Mas o Kosovo já estava ocupado majoritarimente por albaneses (representam 90% da população da região), apesar de estarem lá os principais santuários cristãos ortodoxos, religião predominante na Sérvia. Formalmente o Kosovo era parte da Sérvia, mas a realidade não apontava isso.

A crise da antiga Iugoslávia acirrou as divergências entre as repúblicas e povos que compunham o país, que buscavam maior autonomia ou mesmo a independência de fato. Nesse contexto, em 1989, o então presidente da República Sérvia da Iugoslávia, Slobodan Milosevic, faz um discurso conclamando o povo a lutar pela Grande Sérvia. Isso nada mais era que a alusão ao antigo Império Sérvio, derrtoado pelos Otomanos e que deveria ser retomado, exatamente no dia em que a fatídica batalha completava 600 anos. E essa luta começaria pela região considerada o "berço da cultura sérvia", exatamente o Kosovo. Há quem considere que esse discurso de Milosevic foi o começo do fim da Iugoslávia, que se desintegrou no decorrer da década de 1990.

Durante esse tempo, o Kosovo seguiu sua luta pela independência. Mas em 1998, as forças de Slobodan Milosevic, então presidente da Iugoslávia, buscou conter o furor separatista. A intervenção de Milosevic na região leva a Otan, liderada pelos EUA, a atacar a Iugoslávia no ano seguinte. Tinha início a Guerra do Kosovo, que durou três meses e o que mais fez foi destruir pontes em Belgrado, capital iugoslava. Ao final do conflito, o Kosovo continuou como província sérvia, mas sob administração da ONU. Milosevic morreu em Haia em 11 de março de 2006 enquanto aguardava julgamento pelas acusações de crimes de guerra – entre elas, a do Kosovo.

Nesse contexto, o Kosovo passou a desenvolver, mesmo que precariamente, suas próprias instituições democráticas, conquistando eleições livres para presidente e primeiro-ministro. No fim de 2007, o finlandês Martti Ahtisaari é incumbido pela ONU de elaborar um plano que tentasse resolver de vez a questão kosovar. Seu relatório final sugeria a independência do Kosovo, mas sob supervisão internacional. Foi com base nesse parecer de Ahtisaari que em 17 de fevereiro de 2008 a assembleia kosovar decide, por unanimidade, declarar de forma unilateral ,a independência da província frente à Sérvia.

Forças envolvidas

A Sérvia fala para quem quiser ouvir que não aceitará o Kosovo independente. E Belgrado tenta reincorporar a sua antiga província de diversas formas - mas sempre diz que não usará força militar. Há uma porção no norte do território - onde os sérvios são maioria e centrada especialmente na cidade de Mitrovica - que se recusa a seguir qualquer determinação que venha da caital kosovar, Pristina. Para eles, a capital do país em que vivem segue sendo Belgrado.

A Sérvia conta com o apoio especialmente de um aliado histórico, a Rússia - que, por meio da Sérvia, tenta ainda fazer valer sua influência sobre os países do antigo bloco antes comandado pela União Soviética. Os EUA, sabendo da importância estratégica da região (próxima do Oriente Médio e das regiões produtoras de petróleo do Cáucaso), também procuram colocar seus pés nos Bálcãs - a intervenção da Otan, capitaneada pelos EUA na Guerra do Kosovo, teria também como objetivo intimidar os sérvios (e indiretamente, os russos).

Coincidência ou não, é em um país da região, a Albânia (da mesma etnia que 90% do Kosovo) onde o ex-presidente dos EUA, George W. Bush, gozava de maior popularidade - Bush foi um dos que reconheceu a independência kosovar.

É da Albânia que vem uma outra força menor em jogo, mas que vale ser mencionada. É a "Vetvendosja" ("Autodeterminação"), que defende a união do Kosovo com a vizinha Albânia. Durante a Guerra do Kosovo, em 1999, or volta de 300 mil kosovares se refugiaram na Albânia. Apesar desse desejo secreto de alguns albaneses (que também sonham com uma "Grande Albânia"), a tendência é para o Kosovo seguir, mesmo que aos trancos e barrancos, como Estado independente.

Desafios futuros

Hoje, o Kosovo luta para sobreviver como um Estado. Ainda sem grande apoio da comunidade internacional (apesar de reconhecido por algumas das principais potências mundiais e incentivado pelas mesmas), o novo país luta para se desenvolver em um meio onde a corrupção e o nepotismo são práticas corriqueiras. As remessas de kosovares que vivem no exterior tem importância vital para a frágil economia nacional, que registra até 80% de desemprego em certas regiões do país. É considerado também ponto importante na rota do tráfico de drogas entre os países do Oriente Médio e a Europa. Especula-se também que tenha reservas de urânio em seu território.

Outro desafio será acertar os ponteiros com a Sérvia, tarefa bastante árdua. "A eleição na Sérvia de um governo mais favorável à Europa não muda nada em relação a Kosovo", afirma Olivier Ivanovic, secretário de estado do ministério sérvio para o Kosovo ao jornal Le Monde. "Me surpreende que os ocidentais não compreendam isso. [O presidente sérvio, Boris) Tadic ou [o ex-primeiro ministro sérvio Vojislav] Kustunica, pouco importa. Kosovo não é uma história encerrada para nós."

Historicamente, nunca foi um caso encerrado. E se depender dos nacionalistas sérvios (que devem ganhar força com a crise econômica tomando o mundo de assalto), ela está longe de terminar. E os Bálcãs assim ganham mais um capítulo em sua conturbada história.

Integrado à Servia ou não, o Kosovo jamais vai se submeter a Belgrado. E sua independência era algo inevitável, uma questão de tempo apenas. Agora como fato consumado, caberá à comunidade internacional não fechar os olhos a esse novo problema na região e cuidar para que não ocorram novos conflitos como os que assolaram a região nas últimas décadas.
Por trás da questão Sérvia-Kosovo está talvez o maior desafio dos Bálcãs: encontrar o equilíbrio entre a cooperação regional e a identidade de cada povo – sem que uma entre em choque com a outra. Enquanto isso, segue inacabada a história da independência do Kosovo.


Dados gerais sobre o Kosovo:

NOME: República do Kosovo (autoproclamada).
LOCALIZAÇÃO: Sudeste da Europa. Sem acesso ao mar, faz fronteira com Albânia e Macedônia (sul), Sérvia (norte) e Montenegro (oeste).
SUPERFÍCIE: 10.887 quilômetros quadrados.
POPULAÇÃO: 2,3 milhões de habitantes, com 65% de jovens.
COMPOSIÇÃO: Albaneses (90%); sérvios, montenegrinos, ciganos, turcos, bósnios e croatas (10%).
POPULAÇÃO URBANA: 35%.
CAPITAL: Pristina, com cerca de 500 mil habitantes.
PRESIDENTE: Fatmir Sejdiu (Liga Democrática do Kosovo, LDK).
PRIMEIRO-MINISTRO: Hashem Thaçi (Partido Democrático do Kosovo, KDP).
LEGISLATIVO: Assembléia do Kosovo, com 120 cadeiras - dez são reservadas para sérvios e outras dez para as minorias restantes.
ECONOMIA: A economia do Kosovo passa por grave crise. A situação não melhorou com o autoproclamado status do país. A taxa de desemprego chega em algumas regiões a 80%, e a corrupção e o nepotismo são fenômenos muito estendidos. A renda per capita kosovar é estimada em cerca de US$ 1.500 por ano. Muitas famílias locais sobrevivem graças a remessas enviadas por parentes que migraram para o exterior, sobretudo para Suíça e Alemanha.
SITUAÇÃO: Ocupando 15% do território da Sérvia, a província do Kosovo (sul) autoproclamou sua independência de Belgrado em 17 de fevereiro de 2008.
No link da Foreign Police, uma boa galeria de imagens:

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Em defesa de Auschwitz


O titulo deste post parece irônico a principio: um dos maiores símbolos da barbárie da 2ª Guerra Mundial, o antigo campo de concentração de Auschwitz-II-Birkenau, convertido 3em memorial aos mártires do Holocausto, próximo a Cracóvia (Polônia), corre risco de sumir. O motivo: falta de dinheiro.


Segundo matéria do Le Monde, traduzida pelo UOL, o Museu do Estado Auschwitz-Birkenau, que administra o campo, são necessários milhões de euros para as reformas mais urgentes, 120 milhões para o financiamento total da conservação. Se nada for feito, o local está simplesmente ameaçado de desaparecer. A matéria pode ser lida no link abaixo:



É imporantíssima a preservação de tal patrimônio, reconhecido inclusive pela Unesco. Ainda mais em tempos de crise econômica, onde a xenofobia ganha fôlego (e com ela certas ideias já veiculadas pelos nazistas).


A frase abaixo, gravada no memorial, resume sua importância para a história da humanidade:


"Que este lugar, onde os nazistas assassinaram um milhão e meio de homens, mulheres e crianças, a maioria judeus de vários países da Europa, seja para sempre um grito de desespero e um alerta para a humanidade".

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A novela russa

Ontem (19/02) a Justiça russa declarou inocentes os três suspeitos pela morte da jornalista Anna Politkovskaya (Sergei Khadzhikurbanov e dos dois irmãos tchetchenos Dzhabrail e Ibragim Makhmudov), assassinada a tiros na porta de sua casa, em outubro de 2006. Anna era conhecida por suas críticas ferrenhas ao governo russo de Vladimir Putin e especula-se que Kremlin tenha tido participação na morte da jornalista. Na época de sua morte, ela publicava no Novaya Gazeta, jornal onde trabalhava, reportagens com denúncias de corrupção no governo.

Mas eis que a novela ganha hoje (20/02) um novo capítulo. Um juiz reabriu o processo de investigação da morte de Anna. Para o juiz, já que os antigos suspeitos foram inocentados, a busca pelos verdadeiros culpados pela morte da jornalista deve proseguir.
Advogados da família de Politkovskaya afirmaram que os três homens eram apenas fantoches e que os verdadeiros assassinos - incluindo o suspeito de ter apertado o gatilho e quem quer que tenha ordenado a morte - estão a solta.

A morte de pessoas contrárias ao governo russo não é uma novidade no país. O caso de Anna é um dos mais famosos, mas não é raro aparecer notícias de outros jornalistas ou ativistas de Direitos Humanos morrendo na Rússia. Em comum, sua posição crítica ao governo. Ou seja, desconfiar do Estado russo nesses casos é uma associação quase lógica, automática.

A boa notícia nesse caso é que, para os que achavam que o caso da morte de Anna se encerraria com a absolvição dos três suspeitos, a reabertura do processo foi uma ducha de água gelada - como a dos mares russos - nos verdadeiros culpados. E seja eles quem forem, ligados ao governo ou não, devem ser punidos. E se isso ocorrer de fato, será muito saudável para a Rússia. E vai expor o que o atual estabilishment quer esconder - por um motivo ou outro.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

As cicatrizes da Bósnia

11 de julho. Este é o dia escolhido pelo Paralmento Europeu para relembrar o massacre de Srebrenica, durante a Guerra da Bósnia (1992-1995). Na ocasião, forças bósnio- sérvias mataram cerca de 8000 muçulmanos civis, e um dos erpisódios mais sangrentos da história recente da Europa, e o pior massacre no continente europeu após o Holocausto.Segundo a B92, o dia será um passo em direção à reconciliação da região dos Bálcãs com a Bósnia.

http://www.b92.net//eng/news/crimes-article.php?yyyy=2009&mm=01&dd=15&nav_id=56447

Ainda hoje a Bósnia carrega as cicatrizes da guerra que se seguiu após sua independência da antiga Iugoslávia. A Bósnia representa uma grande ferida aberta nos Bálcãs. Um dos comandantes do massacre, Radovan Karadžić, ex-líder politico dos bósnio-sérvios, foi capturado no fim de 2008 em Belgrado e atualmente responde por crimes de guerra no Tribunal de Haia, Holanda. Já Ratko Mladić, comandante militar da operação, ainda se encontra foragido, provavelmente na Sérvia, o que é motivo de pressão internacional sobre Belgrado, para que colabore na captura de Mladic – o governo sérvio é acusado de não dar a devida colaboração ou até mesmo de acobertar o ex-líder militar.

As cicatrizes também se fazem presentes na economia e na constituição política do país. A guerra dizimou a infra-estrutura bósnia, que ainda convive com outro problema: a pesada burocracia estatal. O motivo maior está no Acordo de Daytona, qûe pôs fim à guerra civil no país, e que criou duas regiões autônomas, a Federação Croata-Muçulmana e a República Sérvia. O resultado é um setor público inchado, presidido por mais de 160 ministros.Os moradores brincam que, se você for à rua Marshal Tito, no centro de Sarajevo, e gritar "ministro", 50 pessoas vão virar a cabeça."Esse exagero de membros do setor público está impedindo o crescimento", disse Irena Jankulov, economista do FMI de Sarajevo. Os desafios econômicos da Bósnia são tema desta matéria do Herald Tribune (traduzida para o português pelo portal UOL), que pode ser lida por meio do link abaixo:

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/2009/02/04/ult2680u789.jhtm

A tensão existente entre as etnias que habitam o país, e que ficam explícitas pelas duas repúblicas autônomas já citadas que compõem a federação bósnia, são outro fator que aumenta o desafio de se constituir um ambiente propício para o crescimento do país. Há quem aposte que o crescimento econômico ajude na resolução dos problemas do país, se sobrepondo às diferenças étnicas. A atual crise econômica global torna-se mais um elemento a conspirar contra a Bósnia, nesse caso.

Ainda assim, segundo a reportagem do Herald Tribune, além dos problemas econômicos, a necessidade maior da Bósnia é de superar seu passado de guerras, genocídio e fragmentação. Para tanto, precisa reformar sua imagem, criar uma identidade verdadeiramente nacional, congregando não apenas os bósnio-muçulmanos, mas também croatas católicos e sérvios cristãos ortodoxos. Um desafio e tanto, ainda mais se pensarmos que a ideia de criar uma identiddade nacional em muitas vezes acaba associada a medidas xenófobas e o fato de a nação estar localizada nos Bálcãs, região instável historicamente em todos os sentidos.

Mas sobretudo, para encontrar essa sua identidade, a Bósnia precisa achar um ponto de equilíbrio para sua sociedade multiétnica. Caso consiga tal objetivo, certamente servirá como exemplo para toda a região. Se as grandes potências realmente desejam ver a estabilidade política e econômica reinar nos Bálcãs após tantos séculos, é fundamental ajudar a Bósnia nessa tarefa árdua, mas não impossível, de enfim superar as cicatrizes do país. Com auxílio à economia e punição aos responsáveis pelos genocídios que mataram mais de 100 mil pessoas na guerra que assolou o país na década passada. E com crise econômica global ou sem ela.